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A comandante Marta Fernandes Miguel

A comandante Marta Fernandes Miguel

Até ao 12º ano nunca lhe tinha passado pela cabeça ser polícia
A subcomissária Marta Fernandes Miguel tem diariamente trinta homens a fazerem-lhe continência. Nada que assuste a jovem que aos 23 anos chegou a Ourém para comandar a esquadra da PSP da cidade. É a única mulher do distrito de Santarém a exercer aquelas funções.Admite que sempre foi uma Maria-rapaz. Filha única, trocava de bom grado uma boneca por uma bola. Não é por acaso que diz sempre ter tido melhor relacionamento com os homens que com as mulheres. “Os homens dão-nos uma visão mais simplificada das coisas. As mulheres complicam”.Até ao 12º ano de escolaridade nunca pensou em tornar-se polícia. Na altura a sua ambição era seguir uma carreira na área do desporto. Um percurso natural, dado que desde pequena praticava diversas modalidades. “Tenho de agradecer aos meus pais o facto de desde sempre me terem incutido a vontade de fazer desporto”, diz.Começou pela natação, em Tomar, concelho onde nasceu. As condições não eram as melhores nas velhas piscinas descobertas mas Marta não se importava. Aos nove anos passou para o tumbling, uma ginástica de solo que “puxava muito pelo físico, principalmente ao nível dos braços e pulsos”. Passou pelos trampolins e ainda hoje lamenta não ter existido na cidade uma das modalidades que gostava de ter praticado – o andebol. Apesar de os seus 1,78 metros de altura “puxarem” mais para o basquetebol.Não era fácil praticar desporto morando numa aldeia mas os pais arranjavam sempre tempo para a ajudar. “Ás vezes era um corrupio”. O pai gostaria que ela tivesse seguido a área desportiva, ou não fosse ele também um desportista na sua juventude. Luís Lourenço Miguel chegou até a fazer parte da equipa profissional de ciclismo do Benfica.Aos 17 anos começou a jogar futebol de salão, depois de ter formado uma equipa em São Silvestre, onde reside. “Arrastei umas tias minhas para a modalidade”, diz com um sorriso nos lábios. Faziam torneio inter-localidades e ainda hoje, em Maio, costumam junta-se para mais uns jogos.A maioria dos seus colegas do 12º ano seguiu a área de desporto. Marta foi a única a optar pela academia da polícia. “Alguém na escola me chamou a atenção para a possibilidade de tirar uma licenciatura e ser polícia e passei a ponderar essa opção”. A decisão apanhou os progenitores de surpresa mas, mais uma vez, contou com o seu apoio. “Encarei a decisão como um desafio e avancei sem criar quaisquer expectativas”. Entrou para o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna com a melhor nota da turma, 17 valores. Por isso foi eleita chefe de turma o que implicava uma responsabilidade acrescida.“Senti o peso de ser mulher e de vestir uma farda aos 18 anos”, confessa. O primeiro ano, da praxe, foi complicado. Dormia pouco e desabafava muito com os pais. Mas nunca pensou em desistir. Acabou o curso em 2004 e, depois de 15 dias como aspirante no comando de Santarém, a subcomissário Marta Fernandes Miguel foi “largada aos lobos”. “A 5 de Julho, lembro-me como se fosse hoje, fui trazida para Ourém pelo superintendente Vaz Antunes”.Tinha todos os agentes á sua espera, perfilados. “Acho que não tremi, mas estava obviamente muito nervosa”. Dois anos depois diz-se completamente integrada mas considera que não é fácil uma mulher gerir meios humanos, particularmente quando são do sexo oposto. “Tento nunca esquecer que para além de polícias eles são maridos, pais e filhos de alguém. Tento fazer o feedback da vida deles sem obviamente entrar na sua intimidade, para equilibrar o serviço com as suas necessidades pessoais”. Hoje Marta já se apercebe quando um seu agente tem algum problema que não de trabalho e, apesar de afirmar não ser preciso criar barreiras estanques, diz ter de diferenciar a parte profissional da pessoal. “Um agente que traga problemas para a esquadra não consegue fazer um bom serviço”.Tem orgulho em ser polícia e o que mais detesta são os estereótipos que, embora mais ténues, ainda hoje persistem na sociedade acerca da profissão. “Ainda este Verão, na praia, ouvi uma mãe dizer para uma criança que, se não comesse o iogurte chamava a polícia”. É por causa disto que tenta manter uma relação estreita e de cordialidade com a comunidade, principalmente com as crianças. “No dia 1 de Novembro, por exemplo, os meninos vêm cá pedir o bolinho”. As crianças, diz, têm muita curiosidade em conhecer a profissão e já houve meninas a perguntarem-lhe como é ser mulher polícia. Marta responde-lhes que acima de tudo têm de ter uma personalidade vincada. “As crianças de hoje são os jovens de amanhã e deve-se-lhes incutir desde pequenas que sem esforço não vão a lado nenhum”.Marta tem apenas 25 anos mas olha para a juventude actual com olhos críticos. “Não há receitas mágicas para vingar na vida mas noto algum facilitismo nos jovens. Todos querem ter um canudo quando, em minha opinião, muitos deveriam apostar em cursos profissionalizantes”.Tem pena de não ser mais operacional e acha que um comandante de esquadra não deve ficar muito tempo no mesmo local. Porque se estagna se não conhecer outras realidades. E além disso, diz, não quer ser subcomissária toda a vida. A ambição de uma jovem que em pequena queria se veterinária, que pensou seguir a via desportista e que aos 17 anos lançou a si própria o desafio de ser polícia.
A comandante Marta Fernandes Miguel

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