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João Pimenta diz que é o homem mais roubado deste país

Império da construção civil não resistiu aos tempos conturbados pós-25 de Abril

João Pimenta é o típico caso de uma vida construída a pulso. O jovem servente de pedreiro nascido no Souto, uma aldeia do concelho de Abrantes, tornou-se no conhecido industrial J. Pimenta que deixou marcas um pouco por todo o país até meados da década de setenta. A partir daí começaram as atribulações que levaram à falência um grupo empresarial que chegou a ter 2.800 trabalhadores. O empresário não perdoa a postura do Estado nesse processo. A sua política, diz, sempre foi o trabalho.

Nasceu numa pequena aldeia, o Souto, e tornou-se num dos nomes mais famosos do país nas décadas de 60 e 70. Tem orgulho no seu percurso?Com certeza. Esse é um resultado da persistência e do trabalho. Mas não fui só eu que vim de lá com a saca às costas e que venceu na vida. Contudo fui de facto o pioneiro. Comecei do zero e tornei-me um grande industrial, com empreitadas na construção civil. Na década de 40 veio o pós-guerra, fiquei parado durante algum tempo, estive em Angola. Depois fiz algumas coisas em Lisboa e foi quando começou a construção do império. Quando comecei a construir edifícios e a vendê-los em propriedade horizontal. Fora de Lisboa era o único.E a partir daí nunca mais parou.Comecei por vender prédios em propriedade horizontal e a partir daí não consegui vender mais nenhum prédio que não fosse em propriedade horizontal. Chamavam-me doido, mas passados uns tempos passou tudo a ser doido. Era uma empresa com muita estabilidade. Com 2.800 empregados, a maior parte a trabalhar com máquinas. Era a única empresa de construção civil que tinha computadores, que tinha rádios de comunicação entre viaturas. E depois passei a fabricar praticamente tudo o que aplicava na construção civil. Veio o 25 de AbrilFoi diversificando também as áreas de negócio?Com certeza, como a hotelaria por exemplo.Com o 25 de Abril mudou tudo.Com 2.800 trabalhadores não houve nada a fazer. Cada pessoa aqui queria mandar para o seu lado. Vieram os sindicatos, o próprio governo provisório a interferir nas empresas… A sua empresa foi ocupada?Ocupada não. Levaram-na à falência, já muito depois do PREC (Processo Revolucionário em Curso), no período do Estado de direito. Já na década de noventa. Quando a empresa tinha um património enorme para se poder reconstruir, preferiram optar pela falência. E ainda hoje, desde 93, o processo não chegou ao fim porque mesmo vendendo património ao desbarato conseguiram ter dinheiro para gastar à vontade.Quando deixou de ser administrador da empresa?Deixei de ter essa responsabilidade em 1986.Mas o ponto de viragem nos negócios deu-se com o 25 de Abril.Exacto. Dá-se a convulsão social, a empresa é intervencionada pelo Estado, que passa a administrar a empresa durante uns anos. Em Fevereiro de 1975 parte para o Brasil. Porquê?Não podia fazer nada neste país e tinha todo o património congelado, mesmo o particular, sem nunca ninguém me ter explicado porquê. Tive inclusive mandatos de captura e nunca ninguém me explicou porquê. Não podia exercer actividade nenhuma, o que é que estava cá a fazer?E como lhe correu a vida no Brasil?Em quatro anos que lá estive acabei por lá construir 500 habitações.Arrependeu-se de ter voltado a Portugal?Arrependidíssimo. Portugal não só não evoluiu como retrocedeu. Isto é um país inviável.Tinha ligações ao antigo regime?Era e sou apolítico. A minha política é o desenvolvimento económico e o bem estar social. Portanto nunca tive nada na política que me beneficiasse. Pelo contrário.Mas tinha boas relações com as figuras do antigo regime?Sim. E só não tenho com as figuras deste regime porque eles não me querem aceitar. Porquê?Naturalmente pelas situações que criaram, pelos prejuízos que deram à empresa e ao país. Eu construía e vendia apartamentos nesse tempo entre 4 e 6 contos o metro quadrado. E agora é entre 200 e 600 contos, senão mil… O meu lema sempre foi: quanto menos uma família pagar de renda ou de prestação da casa melhor vive.Era um dos seus objectivos ao construir em massa e a preços controlados?Exactamente. Ainda hoje há muita gente a viver em apartamentos que eu construí, a pagarem 4 ou 5 contos por mês. Era um bem estar social que ninguém reconheceu.Mas obviamente que o seu objectivo primeiro era o lucro. E também o tinha com esse tipo de política.Lógico que sim. Quem não tem o objectivo do lucro não pode ser empresário. Mas comprava terrenos baratos, não dependia da banca, era auto-financiado à medida que a construção ia avançando. Era uma cadeia perfeita de benefícios. Quando veio o 25 de Abril procuraram alterar as coisas para melhor com uma nova política, contudo alteraram para pior. E embora muita gente diga o contrário, hoje vive-se pior.Nunca chegou a fazer as pazes com o novo regime, com a democracia?Mas fazer as pazes como? Só se me tornasse político. Eu não sou político.Nunca financiou partidos políticos?Eles também não me financiam a mim, como é que posso financiá-los…E nunca lhe pediram uma ajuda para as campanhas eleitorais?(risos) Isso é complicado… Eu também não tenho muito dinheiro para dar. Mas fala-se que se fazem para aí umas coisas e que se resolvem uns problemas a troco de outras coisas. Fala-se nisso. Mas comigo não!Continua a construir?Estou com 81 anos, praticamente no fim da vida, mas neste momento tenho uma obra na zona de Leiria que é a transformação de uma antiga fábrica em armazéns para venda.E continua a centralizar a parte de gestão das suas empresas?Lógico que sim.Porque é que nunca apostou no Ribatejo, na zona onde nasceu?Por acaso é uma zona de que eu gosto, de gente alegre. Mas agora já pouco se investe. Às vezes já nem os touros investem (risos)…Mas porque é que escolheu por exemplo Leiria e não Santarém para o seu mais recente projecto? Estou ligado a Leiria há muitos, muitos anos. É que, independentemente da construção civil, estive ligado à venda de materiais de construção. Quando fazia a viagem Lisboa-Porto em trabalho parava habitualmente em Leiria. Tinha lá um grande amigo.

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