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António Cláudio e a paixão pela história de Almeirim

António Cláudio e a paixão pela história de Almeirim

O antigo vereador e director da biblioteca municipal construiu a vida a pulso

De aprendiz numa serração a vereador e director da Biblioteca de Almeirim vai o percurso de uma vida que António Cláudio trilhou à custa de muito trabalho e de amor às coisas da cultura. Já depois dos quarenta foi estudar e acabou por se licenciar em História.

Foi vereador da Cultura na Câmara de Almeirim entre 1976 e 1992, numa altura em que não havia dinheiro nem infraestruturas para desenvolver actividades culturais. António Cláudio, 79 anos, já depois de reformado aceitou ser director da biblioteca municipal porque a autarquia não conseguia encontrar ninguém para o lugar. Acabou por ficar no cargo durante oito anos. Homem da cultura, fundador do Rancho Folclórico da Casa do Povo, estudioso da história local, começou por trabalhar numa serração como aprendiz, tinha 12 anos. Subiu os difíceis degraus da vida conseguindo licenciar-se em História, curso que começou a tirar com 42 anos. Sente-se desiludido por a cidade que o viu nascer não cuidar do património e magoado por não se incentivar a investigação das raízes históricas da região.O que é que o levou a tirar um curso superior depois dos 40 anos?Não foi por ambição, mas por desejo de me valorizar e saber mais. Ao tirar o curso de História era também para precaver o futuro porque se não tivesse emprego poderia seguir a via do ensino. Entrei na faculdade com 42 anos, era o único da turma já com cabelos brancos. Na altura já era casado e tinha filhos. Devia ser difícil…Quando ouço jovens a dizer que não têm tempo para fazer alguma coisa porque andam a estudar, costumo dizer-lhes para cantarem essa cantiga a outro. Porque eu era casado, trabalhava, estudava e ainda era vereador da câmara municipal. Não devemos perder o tempo em passatempos porque quando dermos conta do tempo perdido já não temos tempo. Há muita gente que desperdiça tempo. Porque é que não estudou em jovem?O meu pai era pedreiro e a minha mãe fazia umas costuras e às vezes era parteira, até foi ela que ainda fez o parto de um dos meus filhos. Naquela altura vivia-se mal, os meus pais não tinham dinheiro para me pagar os estudos e eu tive que ir trabalhar para ajudar a família. Comecei a lutar pela vida muito cedo. Construiu uma vida a pulso…Devia ter uns 12 anos quando entrei como aprendiz numa serração de madeiras. Levantava-me às duas da manhã para ir limpar as máquinas que começavam a trabalhar às sete e depois continuava a fazer tudo o que era preciso ao longo do dia. E ganhava 25 tostões por dia (menos de dois cêntimos). Depois andei na construção civil, trabalhei numa livraria e numa empresa de portões. Consegui entrar como funcionário no Cartório Notarial onde estive um ano, fui oficial de diligências da repartição de Finanças…Depois começou a trabalhar na Câmara de Almeirim… Fui dos primeiros funcionários do serviço de águas da câmara. Tive que fazer todo o ficheiro de clientes, ir saber onde é que estavam instalados os contadores, às vezes em sítios incríveis, como atrás de barris de vinho. Em 1967 apareceram os centros de emprego e fui trabalhar para o de Santarém, tendo feito todo o levantamento do artesanato da região de Lisboa e Vale do Tejo. Corri montes e vales com uma máquina fotográfica Polaroid a fotografar os artesãos e as peças. O curso de História serviu para alguma coisa?As pessoas sabiam que me tinha formado em História e faziam-me perguntas sobre Almeirim, cuja história não estava feita. Comecei a ler as actas das sessões de câmara desde 1826. À medida que me iam perguntando ia investigando e aplicando o que tinha aprendido na faculdade. E assim nasceu uma paixão.Estudou numa época conturbada do pós-25 de Abril. Também participava nas manifestações com os seus colegas mais novos?A época era muito turbulenta e eu não via as greves, as manifestações, as confusões com bons olhos.Porquê?Porque considerava que aquela agitação toda não nos levava a lado algum. Preferia manter-me à margem disso. O único problema que tive foi quando fiz um trabalho com outros dois colegas de turma que também são de Almeirim, o Cândido Azevedo e a Emília Catrola, sobre as cidades gregas, no contexto das cidades de Atenas e Esparta. Os outros colegas não gostaram da nossa interpretação dos factos históricos e caíram-nos em cima. Gerou-se uma grande confusão. Era um aluno aplicado?Mais ou menos. Digamos que gostava de estudar. Ainda hoje quando passo à porta da faculdade sinto vontade de voltar a estudar, de tirar outro curso, talvez na área das letras, mas se calhar já estou velho. É pena é os jovens abandonarem o ensino precocemente. Muitas vezes interrogo-me para onde vai a juventude, o que vai fazer. Se calhar também anda desmotivada porque não tem vagas nos cursos que quer, porque não tem emprego, porque o sistema de ensino não os seduz.Como é que chega a vereador da Cultura da Câmara de Almeirim?Em finais de 1975 dois vereadores da então comissão administrativa saíram e foram-me convidar para os substituir, até que em 1996 integrei as listas do PS com o cabeça de lista Alfredo Calado, que ganhou a câmara. Acompanhei-o sempre enquanto foi presidente até 1992. Até quando ele mudou para o PRD que passado algum tempo acabou. Aliás na altura em que o partido foi criado vimos logo que não ia muito longe. Tinha simpatia pelo Partido Socialista?Não! Nasci num período bastante difícil, com muitas necessidades, e quando isso acontece começa-se a acreditar que as pessoas têm direito a ter melhores condições de vida, mas tinha a consciência que eu somente não tinha capacidade para mudar as coisas. Mas nunca militei em nenhum partido porque quis sempre filiar-me no meu espírito. Era um céptico em relação aos partidos?Não acreditava muito nos partidos políticos, nem nunca me senti bem a andar em comícios. Porque havia muitos interesses por trás de tudo isso, pelos quais não queria lutar. Ao longo dos 16 anos de vereador qual foi a medida que mais prazer teve em tomar?Foi lançar o boletim informativo onde deixei escrita a história do concelho. No meu mandato não havia uma sala de espectáculos em condições. Mas as pessoas também não vivem muito a cultura. Quando fui director da biblioteca municipal senti um certo desapontamento porque promovi muitas conferências a que só ia meia dúzia de pessoas. Há cidades do interior que têm coisas extraordinárias e nós não damos valor à cultura. Valeu a pena fazer o investimento na recuperação do cine-teatro da cidade?Não sei… Só vi o cine-teatro cheio quando se fazia o programa de variedades “Pingue-pongue”, ainda antes do 25 de Abril de 1974.Quando foi vereador esteve envolvido numa polémica por causa de uns azulejos antigos que foram aplicados na sua casa. Recorda-se disso?Tive pena que as pessoas interpretassem mal as coisas. Havia uma casa antiga que ia ser demolida. Na altura até estava a substituir o presidente que estava ausente. Pensei que era uma pena os azulejos perderem-se e pedi para os retirar antes da casa ir abaixo. Separei umas caixas deles para ficar na câmara para um futuro museu e os outros aproveitei para aplicar na sala da antiga casa dos meus pais. Se não estivessem aqui tinham ido parar ao lixo. Mais tarde fui acusado de ter roubado os azulejos. Fiquei magoado com isso.
António Cláudio e a paixão pela história de Almeirim

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