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A mulher que extirpa calos e desencrava unhas

A pedicura Isabel Margarido diz que os portugueses dão pouca atenção aos pés

Utiliza as suas mãos para cuidar dos pés dos outros. Isabel Maria Margarido é pedicura há duas décadas e diz que o maior gozo que tira da profissão é observar o alívio dos seus clientes, após um tratamento.

Há dez anos, um senhor de 80 anos tocou à campainha do gabinete de estética de Isabel Margarido, em Terras Pretas, Torres Novas. Tinha ouvido dizer que ali se arranjavam unhas e tiravam calos e queria ser cliente. Antes de entrar lançou no entanto um aviso à pedicura: não lavava os pés nem cortava as unhas há seis meses. Isabel nem pestanejou e preparou-se para uma tarefa árdua – pôr como novos pés que há muito eram maltratados. Um trabalho que seria um sacrifício para qualquer pessoa mas que para a pedicura foi uma “bênção”. “Delirei”, diz Isabel Margarido, adiantando que quanto pior for o estado dos pés mais gosta de fazer o seu trabalho. “Dá-me gozo e um prazer enorme observar o alívio dos clientes à medida que vou tratando o pé”, justifica.O pior desgosto que lhe podem dar é chegarem ao seu gabinete e dizerem-lhe: “lime e pinte as unhas”. Porque perde tempo “sem ver resultados”. “Para uma pedicura profissional um bom pé tem de ter problemas”. Os olhos de Isabel regalam-se de contentamento quando olha para um pé e percebe que tem de extirpar calos e desencravar unhas. Por hábito o tratamento de pés demora cerca de meia hora a executar. Mas há casos, como o do senhor de 80 anos, que levam mais tempo. “Com os pés desse senhor estive mais de uma hora porque ele tinha as unhas completamente encravadas”. Antes de enveredar pela estética, há 26 anos, Isabel fez de tudo um pouco. Andou nos bordados, trabalhou em couro e foi costureira, profissão “que detestava” e fazia por necessidade. Aos 20 anos a irmã, emigrada na Suíça, convenceu-a a juntar-se a ela. “Eu sempre disse que nunca sairia do país mas acabei por o fazer”, diz quem se aventurou na procura de uma vida melhor e novos estímulos.Os primeiros tempos não foram fáceis. A irmã conseguiu-lhe um emprego no lar de idosos onde trabalhava, para fazer o que ninguém queria – arranjar e cortar as unhas a mais de cem idosos. Ao contrário do que esperava Isabel começou a gostar, tanto que decidiu enveredar profissionalmente por essa área de negócio. Foi a própria direcção do lar que lhe patrocinou o curso de pedicura que entretanto tirou. E a seguir o de esteticista. “Sempre tive a ideia de voltar a Portugal e achei que se tivesse só o curso de pedicura não conseguia ter cá trabalho”. Em 1990 regressa à sua terra e vai arranjando trabalho como esteticista em vários gabinetes da região. Até que há 12 anos decidiu começar um negócio seu, abrindo um gabinete no rés-do-chão da sua casa.Uma decisão tomada unilateralmente uma vez que ninguém na família, incluindo o marido, concordava. “Tinham receio pelo facto desta ser uma aldeia pequena. Eu também tive, mas arrisquei”, diz Isabel Margarida, adiantando que foi um desafio ganho. Hoje, ao contrário do que antes supunha, tem bons clientes e os pés são a parte do corpo com que mais trabalha. “É o reconhecimento de que o meu trabalho é de qualidade”. Nunca deixou de se actualizar, fazendo muitas reciclagens porque, como diz, esta é uma profissão sempre em evolução. E, apesar de ter gabinete aberto, fez muitos domicílios.Isabel Margarido considera que os pés continuam a ser os parentes pobres do corpo. “As pessoas só se lembram dos pés quando eles doem, quando pedem socorro, apesar de serem dos órgãos mais importantes do nosso corpo”, salienta a pedicure, enquanto vai tratando das calosidades de uma cliente. Sentada num pequeno banco, com uma toalha sobre os joelhos, a pedicure agarra nos utensílios necessários à tarefa – um alicate e uma lima eléctrica –, depois de os pés terem estado alguns minutos mergulhados em água, num esterilizador. Isabel diz que muitos dos problemas dos pés, nomeadamente os calos, não se devem só a sapatos apertados, tacões altos ou calçado de bico. “Um calo ou uma unha encravada devem-se principalmente a problemas de má formação da coluna”, refere, adiantando que na planta do pé se reflecte todo o nosso corpo. E o bem ou mal que lhe fazemos diariamente.

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