As nuvens que passam
A criação de uma Fundação Bernardo Santareno e o anúncio de um prémio literário com o nome do autor escalabitano vem fazer justiça a um grande nome da literatura portuguesa. Santarém ainda é uma terra de província, das mais cuscas, quando se trata de valorizar o nome de alguém pelo trabalho e pelo mérito da sua obra. É fácil falar em público do Sá da Bandeira, do Passos Manuel, do Braancamp Freire, enfim, de muitos e venerados nomes da cidade que ficaram na história mas cuja memória só resiste porque o discurso político não os esquece na hora que mais lhe convém.Lembrar publicamente, apenas vinte anos depois da sua morte, um autor que deixou uma obra incomparável na área da literatura, do teatro em particular, não seria nada do outro mundo se ele não fosse um homossexual assumido. Tudo leva a crer que o nome e a obra de Bernardo Santareno não é familiar aos escalabitanos nem motivo de orgulho para quem nasceu ou adoptou a cidade porque ele era “invertido”. Um dia, já lá vão meia dúzia de anos, falava nisso com um empresário da cidade e chamava a atenção, na minha santa ingenuidade, para o papel que os empresários da região poderiam ter substituindo-se aos bardamerdas de alguns políticos que só sabem fazer o discurso da praxe e homenagear os amigos e conhecidos, que é uma boa forma de aproveitarem a boleia para também se homenagearem permanentemente a si próprios. O quê, fazer uma homenagem a esse paneleiro dum cabrão? Foi assim que ouvi falar de Bernardo Santareno, um escritor e intelectual português, dos maiores, que será com certeza muito recordado e homenageado daqui a muitas dezenas ou centenas de anos quando todos nós já formos, há uma eternidade, apenas uma nuvem que passou.
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