Fernando Matias é cabeleireiro de homens em São Miguel do Rio Torto
Tirou um curso de formação profissional e decidiu investir num negócio próprio
Começar uma nova vida profissional aos 43 anos não é tarefa fácil mas Fernando Matias pôs literalmente mãos à obra. Depois de mais de uma década dedicado aos azeites, conseguiu impor-se na arte capilar e hoje ganha a vida como cabeleireiro de homens.
De tesoura na mão Fernando Matias vai cortando as pontas do cabelo de Manuel Narciso, um dos seus clientes fiéis. Depois do cabelo pronto o cabeleireiro de homens ainda lhe há-de aparar o bigode a fazer a barba. Desde há três anos que o dia a dia do cabeleireiro é assim. Mas já foi muito diferente. Há 17 anos Fernando Matias trabalhava na refinaria de azeites da empresa Victor Guedes mas foi apanhado pela reestruturação do grupo que ditou o encerramento da refinaria. Foi o adeus a 23 anos de trabalho.Quando veio para casa, com um punhado de euros de indemnização, Fernando Matias pensou de imediato em arranjar qualquer coisa própria. Porque como diz “parar é morrer” e seriam poucos os empregadores que lhe dariam trabalho aos 43 anos. Entrou no Centro de Emprego de Abrantes decidido a tirar um curso profissional e apresentou logo duas hipóteses – cozinheiro, porque gosta e tem jeito natural, ou barbeiro, porque o único que havia na terra já estava a ficar velho. “E toda a gente precisa de cortar o cabelo de vez em quando”.Acabou por entrar no curso de cabeleireiros ministrado pelo Centro de Formação Profissional de Tomar. Mas a experiência só durou três dias. “Vi-me metido no meio de 23 mulheres que queriam cortar o cabelo a outras. Mas eu queria era cortar cabelos aos homens”, diz quem acha que o cabelo das mulheres é mais complicado de cortar. Ou elas próprias são mais complicadas. “Apesar de todas as cabeleireiras conhecidas me garantirem ser muito fácil cortar cabelos a mulheres tenho algum receio e prefiro não arriscar por enquanto”, diz.Não é porque não tenha confiança em si próprio, é porque “nunca se sabe a reacção de um mulher quando, depois do corte, não gosta de se ver ao espelho”, refere meio a brincar Fernando Matias, enquanto continua de volta da cabeça do cliente. “Já alguma vez ficou com a orelha cortada?”, pergunta-se a Manuel Narciso. Antes que o cliente possa responder o cabeleireiro de homens atira – “nunca, mas não quer dizer que esteja livre disso”.De volta ao centro de emprego, acabou por ir parar ao Centro de Formação Profissional do Penteado, Arte e Beleza num curso ministrado por dois irmãos que hoje cortam o cabelo à maioria dos homens que governam o país. Durante o ano em que durou o curso levantava-se todos os dias às cinco da manhã para apanhar o comboio no Rossio ao Sul do Tejo e rumar até Lisboa, onde tinha de estar diariamente às 09h00. Nunca deu uma falta e no final foi considerado o melhor cabeleireiro do curso. “Pude fazer o curso porque tinha uma grande ajuda em casa”, diz modesto, adiantando que a mãe, com quem vive após o divórcio, lhe faz tudo.Já com o curso tirado, o passo seguinte era iniciar a profissão por conta própria. E foi aí que começaram os dissabores. Andou dois anos para conseguir que lhe aprovassem o projecto de recuperação da casa velha que possuía no centro da aldeia. “Fui mais de 200 vezes à Câmara de Abrantes”, diz quem viu o projecto chumbado por duas vezes e foi alvo de “invejas” por parte de alguns conterrâneos. “Há quem não deixe os outros ajudar a desenvolver a terra”.Em 2004 conseguiu finalmente realizar o seu sonho e abrir o salão de cabeleireiro de homens. Gosta da arte mas considera que trabalhar por conta própria é difícil e requer muita ginástica. “Não é fácil fazer uma casa, ganhar reputação em pouco tempo”, diz quem começou por fazer diariamente uma média de 240 euros mensais. “Hoje já vou fazendo 350, às vezes 450 euros, não é muito mas já dá para os gastos”. Quem não se pode deslocar ao salão não fica sem o cabelo por cortar. Uma das tarefas de Fernando Matias é ir a casa de alguns clientes, quanto mais não seja para lhes fazer a barba e dar dois dedos de conversa.Amante da boa comida, Fernando Matias continua a dar largas à sua imaginação culinária, fazendo uns petiscos na adega mesmo em frente ao cabeleireiro. Onde vão os amigos e muitos daqueles a quem costuma cortar o cabelo. “Sou como os champôs, dois em um”, diz a brincar.
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