Em Vila Franca de Xira ainda se corta o cabelo no “Baeta”
Nome recorda segundo quartel do século passado
O “Baeta” modernizou-se mas mantém as memórias e os utensílios de outros tempos. A barbearia é ponto de encontro para conversar sobre a actualidade e o passado.
“Boa tarde, pode cortar o cabelo ao meu pai?”, inquire Lídia Rodrigues à porta do “Cabeleireiro de Homens O Baeta”, situado na Rua Heróis da Guerra Peninsular, em Vila Franca de Xira. A resposta vem pronta: “Com certeza”. João Moreira Peralta levanta-se do banco para ajudar o senhor Eduardo Rodrigues, de 80 anos, a sentar-se na cadeira universal. Põe uma gola à volta do pescoço do cliente, seguido de um tecido vermelho de nylon denominado penteador. Os gestos mecanizados são seguidos da pergunta clássica: “Como quer o cabelo? Grande ou curto?”. Eduardo Rodrigues decide-se pela última hipótese. A máquina eléctrica com o pente facilita o trabalho de João Peralta, de 60 anos. Uma televisão no canto superior esquerdo do estabelecimento ajuda a descontrair. O espelho à frente da cadeira universal dá uma perspectiva do desenrolar do corte de cabelo. Aparentando um ar moderno, o estabelecimento tem na bancada em frente à cadeira, a escova, a laca, o pó de talco, o álcool, o after shave, a gilete e as lâminas de barbear descartáveis que são usadas uma única vez. Os frascos da marca Tabex alinhados por cima do espelho lembram o século passado. “Não falta também o esterilizador dos utensílios”, aponta João Peralta com ar visivelmente profissional. Aqui mistura-se o tradicional com a inovação que os tempos modernos exigem. O desbaste de cabelo no senhor Eduardo é acompanhado da conversa da ordem, que naturalmente converge para o passado. “Escolhi Baeta para o meu estabelecimento, por ser um nome com uma tradição de muitas décadas”, aclarou. Era um vocábulo que valia na gíria popular o mesmo que barbeiro. À pergunta, “onde foste cortar o cabelo”, a reposta surgia sempre na forma, “fui ao baeta”. Estava-se entre os anos cinquenta e os setenta do século passado. Era também altura em que o cliente pedia para pôr brilhantina no cabelo. As modas passaram, mas o nome Baeta ficou no imaginário popular. Moda antiga ao estilo modernoQuatro cadeiras ajudam os clientes a esperar pela sua vez. Renato Madeira, 34 anos, é um deles. Não falta também uma cadeira de lavagens com rampa. “Não é para lavar o corpo todo, é só para a cabeça”, brinca João Peralta. “Eh pai, estás bonito”, salienta Lídia Rodrigues. Depois de ter o corte de cabelo e a barba feita, Eduardo Rodrigues cede o seu lugar a Renato Madeira. No cabide da casa de banho estão penduradas duas batas azuis claras. Cliente assíduo, Renato Madeira vai usar uma delas. “Não dispenso os serviços da barbearia do senhor Peralta”, salienta, ao tomar o lugar na cadeira universal. É tempo de lembrar peripécias, nomeadamente quando João Peralta cortou o cabelo a um cliente que adormeceu. “Ficou espantado quando acordou. Sem ter dado conta, viu-se de repente com um novo visual”, recorda.João Peralta assegura também que trabalha sempre à moda antiga, mas moderna no atendimento. “Acompanho a evolução dos tempos. No entanto uso ainda a pedra húmida, que serve para cicatrizar os poros da pele visados pela barba”, exemplifica.“Veja lá isso, tem que ser um corte à maneira”, assevera Renato Madeira, ao dirigir-se para João Peralta em tom de brincadeira, ao que este pergunta: “A patilha fica igual?”. À resposta afirmativa, os gestos seguem a ordem de quem anda na profissão há muitos anos. A conversa surge agora noutro âmbito. “Trabalho de acordo com a lei, ao contrário de alguns colegas que acrescentam os fins-de-semana e os feriados ao normal período laboral”, refere João Peralta, com um breve olhar dirigido ao horário do estabelecimento. Por perto, existe ainda o livro de reclamações. O extintor é também marca da casa, bem como o aviso escrito à mão: “Não se fia”. Inquirido, a resposta vem acompanhada de um sorriso. “Se eu fiar, perco o dinheiro e o cliente. A seriedade a isso obriga”, finaliza. Barbeiro que foi carteiro 26 anosJoão Peralta começou a cortar cabelos aos 13 anos numa barbearia do Fundão, até assentar praça em Elvas, corria o ano de 1967. Saiu da tropa em 1970, altura que coincidiu com a ida para Alhandra, visto o seu patrão do Fundão, Porfírio Baptista, ter cedido em definitivo uma barbearia a João Peralta. Os oito anos a cuidar do couro cabeludo na vila alhandrense foram sucedidos de 26 anos como carteiro. Fazia, no entanto, uns cortes nos tempos livres. Com a aposentação dedicou-se à profissão a tempo inteiro. Tem negócio em Vila Franca de Xira há oito anos, no local onde funcionava uma antiga barbearia. Ali mesmo ao lado da casas onde viveram os escritores Alves Redol e Álvaro Guerra.
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