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Inocência dos lobos provada por Vespúcio Ortigão no livro “A Fúria das Vinhas”

Personagem inspirada em Laborinho Lúcio e no saber do autor Francisco Moita Flores
Este seu primeiro romance policial, A Fúria das Vinhas, abre com uma imagem que nos remete para o final de “Quando os Lobos Uivam” de Aquilino Ribeiro. Aqui é um lobo que encontra um cadáver. No romance de Aquilino, um lobo e uma loba encontram um esqueleto. Já tive o prazer de adaptar o Quando os Lobos Uivam para televisão. Talvez tenha sido influenciado. Faz uma pergunta que é interessante. Às vezes o nosso inconsciente manda mais que a nossa vontade. Mas os dois livros são completamente diferentes. Há a referência aos lobos. Os lobos estão em vias de extinção. Quis passar a ideia de que é preciso preservá-los. Uma das guerras do personagem Vespúcio Ortigão é exactamente a defesa do lobo. O título inicialmente escolhido para o livro era: “A inocência dos lobos”. Mas o marketing manda mais que a minha vontade e ficou: “A Fúria das Vinhas”.Numa zona rural e agreste quando surge algo inexplicável o lobo é escolhido como bode expiatório. Exactamente. O lobo é um dos animais que, devido à sua carga simbólica, é muitas vezes escolhido para mau da fita. Até nas histórias infantis. Gosta de lobos? Eu e a Filomena (actriz Filomena Gonçalves, esposa de Moita Flores) somos padrinhos de um lobo. Há organizações que cuidam de lobos aleijados, feridos, doentes. A contribuição monetária dos padrinhos ajuda ao sustento dos animais. Somos padrinhos porque contribuímos com uma verba para os tratadores tomarem conta dele.O investigador deste seu romance, Vespúcio Ortigão, faz observações sobre o atraso do país e questiona a justiça. O que é que esta personagem tem do ex-inspector da Judiciária Francisco Moita Flores?O Vespúvio Ortigão está a mostrar que desde os finais do século XIX até hoje ainda andámos muito pouco. E como andámos muito pouco, de vez em quando a opinião do personagem Vespúcio é concordante com a do Moita Flores. Mas é só de vez em quando. O Vespúcio angustia-se porque percebe a dificuldade que o país tem em ir em frente. Esse é o seu grande drama e ainda é o drama do Portugal contemporâneo.Ele usa os seus conhecimentos para chegar ao criminoso? Muito daquilo que está ali é o resultado das minhas investigações no domínio académico, que eu tentei colocar numa intriga para seduzir os leitores. Muito daquilo é matéria das minhas aulas.Porque convidou o ex-Ministro Laborinho Lúcio para fazer a apresentação deste seu livro? O Laborinho Lúcio é uma das inteligências mais lúcidas deste país e talvez o homem que mais tenha interpelado a Justiça, sendo um homem da Justiça. Nunca se acomodou porque ele entende a Justiça como uma coisa dinâmica. Isso tem-lhe custado muito mas ele tem contribuído de uma forma decisiva para que a Justiça seja um instituto inquieto. Para que não seja um glaciar. Para que não seja uma pedra. Uma parte desse Vespúcio Ortigão, que também questiona a justiça, é inspirada no Laborinho Lúcio. Quem trabalhou com ele ou tem o privilégio de privar com ele, como é o meu caso, percebe que não é possível ser-se estúpido ao seu lado. Ele excita a mais humilde das inteligências. É um homem notável. É uma referência no sistema judiciário. A Fúria das Vinhas é também um exercício de reflexão sobre o presente?Essencialmente quis construir uma obra sobre o debate científico no século XIX e sobre uma realidade muito importante no século XIX que foi a expansão da praga da filoxera. Admito que há coisas que podem ser extrapoladas. Não me liberto do meu compromisso com o presente. Não estou a escrever para leitores do século XIX. A minha principal preocupação é contar uma história de forma simples. Num português escorreito mas bonito que apeteça às pessoas ler e que me dê prazer escrever. Não escreve apenas para seu deleite pessoal? Quando escrevo é para os leitores. Uma obra só existe quando é consumida. A finalidade de um livro é estabelecer uma relação. Tenho atenção a quem me vai ler. Este livro é apresentado como o seu primeiro romance policial. Porque não o escreveu antes? Quando comecei a ser um escritor reconhecido colocavam-me muitas vezes essa pergunta. Porque não um policial? Eu nunca tive vontade de o escrever porque a minha saída da polícia era recente e isso poderia ser interpretado como uma apropriação de conhecimento. Podia ser visto como uma forma de oportunismo. Afastei sempre essa hipótese. Sou conhecido sobretudo por discutir problemas de polícia, de segurança, de violência. Estava na hora de escrever este romance. E havia o material recolhido para a série de televisão A Ferreirinha. Exactamente. Muito material não foi utilizado por falta de condições técnicas. Na série eu apenas aflorei a filoxera porque isso obrigava-nos a ter insectos. Discutimos isso mas não tínhamos efeitos especiais para o fazer. Fiquei com um manancial de informação sobre o assunto. O combate à praga é uma das maiores epopeias que a agricultura portuguesa viveu, sobretudo na área da vitivinicultura e precisava de ser contada.Esperou muitos anos até escrever um policial mas já disse que anda a escrever sobre a sua experiência autárquica. Não precisa de algum distanciamento? Não. A respeitabilidade também é diferente. Quando estamos a falar de polícia e de justiça estamos a falar dos direitos e liberdades e garantias. Estou a falar de coisas que são sagradas para o cidadão. Ora, as birras do Rui Barreiro não são sagradas para ninguém. Merecem ser escritas como vão ser escritas. Em forma de farpas. Não como uma coisa séria. Vai embora no final deste mandato? Não estou ansioso por ir embora. Eu sei que durante muito tempo a oposição mais patética – tenho uma oposição séria e uma patética – pôs a correr que eu no dia a seguir a ser eleito ia embora. Como são irresponsáveis não percebem a dimensão da responsabilidade de um compromisso. Eu fiz um compromisso com a população de Santarém por quatro anos e tenho que o cumprir. Não só porque manda a lei mas por dever cívico de quem participou num projecto como eu participei. A eleição só me vincula durante quatro anos. Eu não posso e não devo vincular-me a uma presidência de monarquia. Os presidentes monarcas são pessoas que não têm outros projecto de vida. Ficam ali. Ficam ali até morrer. Até apodrecer.O que o fará candidatar-se a um segundo mandato?Eu vou cumprir pelo menos 90 por cento do meu programa eleitoral até ao fim do actual mandato. O meu desejo era cumprir 100 por cento mas possivelmente chego aos 90. Quem chega aos 90 por cento pode pedir compreensão às pessoas. Neste quadro esgota-se o projecto de mandato. O que vou fazer a seguir? Se houvesse um objectivo que determinasse uma outra exaltação eu poderia pensar no assunto. Que objectivo? Imagine que me aparece amanhã um projecto grande para a remodelação da zona ribeirinha ou da parte norte do concelho no que diz respeito a zonas industriais. Eu vacilava. Mas isso implica tantos milhões de contos que não sei se será possível. Quatro anos e a porta fecha-se no trinco. E ainda me faltam três anos.

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