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Um coração do meu tempo

Eu gosto da terra onde nasci (Chamusca) e da terra onde trabalho, e das terras que visito quase diariamente no meu ofício de operário de uma empresa de comunicação social. Não trocava a minha terra por Lisboa durante uma semana (embora goste de Lisboa, todas as semanas, em certos dias), nem por Paris, Rio de Janeiro, Amesterdão ou Madrid, quatro cidades que também conheço bem e onde gostava de ter mais tempo para estragar um par de sapatos. Se tenho que dizer mal da minha terra fico triste. Eu gosto da minha terra como gosto da minha casa e do meu quintal e dos caminhos que me levam à lezíria, à charneca ou ao bairro. Posso orgulhar-me de ser vizinho da terra onde nasceu Saramago, de ser amigo do Sérgio Carrinho, do Moita Flores, de contar entre os meus melhores amigos as pessoas mais simples deste mundo, que me fazem lembrar todos os dias o lugar de onde vim e para onde vou. E não me importo de conviver diariamente nas minhas terras com gente medíocre ou reaccionária, que se pudesse dava-me um tiro ou apertava-me as goelas, e fazia-me pagar cara as noites de insónia que lhe causei no desempenho do meu trabalho. Fazendo minhas as palavras de um editor (Cruz Santos) as minhas paixões são sempre a favor. Não tenho nada contra. E quando tenho não chega ao coração. Fica a meio caminho e num dia de sol perde-se numa curva da estrada.Eu gosto de parar no meio da rua e conversar com os velhos da minha terra. Gosto de comer sardinhas assadas com a mão. Gosto de ir ao campo roubar laranjas para comer na altura. Gosto de alimentar a ideia de ainda conseguir construir uma barraca no meio do campo para poder voltar, um dia, a sentir o desconforto que fez os nossos ossos mais rijos. Ainda gosto de agarrar numa colher de pedreiro, num serrote, numa enxada, e fingir que sei do oficio. Gosto de subir os choupos, como na idade em que criei uma ovelha e depois vendi-a porque me recusei a comer a sua carne.Eu gosto da minha terra. E não consigo perceber aquelas pessoas que dizem mal de tudo menos delas próprias. Sei que algumas das minhas terras pararam no tempo. Teimam em ser pequenas ilhas onde cada um cuida do seu aquário. Mas não é isso que me amolece o coração. Eu ainda tenho um coração do tempo dos meus avós.JAE

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