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Enxertadores do Ribatejo e Oeste foram a mão-de-obra especializada que salvou o vinho do Porto

Romance “A Fúria das Vinhas” de Francisco Moita Flores conta como foi

Os trabalhadores rurais do Cartaxo já dominavam a técnica da enxertia e foram mobilizados para ajudar a salvar os vinhedos do Douro da filoxera.

Foram enxertadores idos do Cartaxo e de outros locais próximos que ajudaram a salvar os vinhedos do Douro da filoxera nos finais do século XIX. Esse episódio de uma das grandes guerras travadas pela vitivinicultura portuguesa surge a meio do último romance de Francisco Moita Flores, A Fúria das Vinhas.A Filoxera é um insecto originário da América, introduzido na Europa na segunda metade do séc. XIX, através de videiras trazidas daquele continente, destinadas à experimentação em Inglaterra. Surge pela primeira em Portugal, na Quinta do Monte, em Gouvinhas, Concelho de Sabrosa e em 1870 já tinha desbastado grandemente as vinhas do Alto-Douro.“Não vou permitir que um insecto, um insecto ordinário e vulgar, destrua o trabalho de tanta gente, aquilo que tantos homens e mulheres fizeram por esta terra”, diz a certa altura Antónia Adelaide Ferreira, a Ferreirinha, uma das personagens do livro de Moita Flores, para o marido que minutos antes lhe traçara um quadro negro do avanço da praga. “As vinhas do Corgo são mortórios atrás de mortórios. Nem uma praga, nem um bago de uva. Os vinhedos do rio Torto acabaram e a destruição alastra pelo Tua”.“Mortórios” foi a designação dada às vinhas destruídas pela filoxera. O Governo criou comissões para estudo da praga e foram feitas inúmeras experiências. A utilização do sulfureto de carbono, pareceu a certa altura a solução adequada mas a verdadeira solução foi a introdução da enxertia de castas nacionais sobre porta-enxertos americanos, designados por “americano”.Numa época em que reinava a bruxaria e o analfabetismo não foi fácil pôr a solução em prática. O povo erguera-se, num movimento conhecido por Revolta da Maria da Fonte, contra a proibição de enterrar os mortos nas igrejas. E em “A Fúria das Vinhas” há relatos de revoltas, embora mais pacíficas, contra as iniciativas da Ferreirinha para combater a praga. “Foi um trabalho penoso. Do Sul chegaram mais enxertadores, que procuravam ensinar as novas técnicas aos caseiros. A nova plantação parecia que fazia girar os antigos vinhedos, alinhando-os no Rio, alargando as fiadas e os espaços para ser possível podar. Os homens não acreditavam nos saberes que chegavam do Ribatejo e resistiam a aprender”, lê-se no romance.E mais à frente Moita Flores escreve. “Sabia (a Ferreirinha) que muitos proprietários estavam a espalhar a descrença contra a solução que assumira, que alguns enxertadores vindos do Bombarral e do Cartaxo tinham sido agredidos e enxovalhados, acusados de virem para destruir o que restava dos vinhedos e, perante o avanço destruidor da praga, multiplicavam-se benzeduras, as bruxas corriam de quinta em quinta, excomungando almas penadas e espíritos do mal, inventavam-se mezinhas, debruavam-se vinhedos com crucifixos e pelas igrejas repetiam-se novenas e terços suplicando a piedade de Deus”.Mas nada travava a vontade da Ferreirinha. “- Não há tempo a perder. Amanhã de manhã partes para Torres Vedras, vais ao Bombarral, ao Cartaxo, a Alpiarça, seja onde for, e traz mais enxertadores. Os melhores que encontrares.” Ordenava a grande proprietária no auge da mobilização.A filoxera foi travada e os vinhedos salvos. Agora ao olhar para o Douro e tendo como pano de fundo “A Fúria das Vinhas” as gentes do Ribatejo podem afirmar que ali também está trabalho seu. Trabalho feito por trabalhadores levados pela Ferreirinha das suas quintas do Sul para Norte. Um exército de mão-de-obra especializada que combateu com sucesso uma praga quase bíblica.

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