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O campino que tem a mágoa de já não poder montar a cavalo

Mário Petisca só andou na escola dois dias, depois foi guardador de gado e operário fabril

Em jovem foi campino. Depois trocou a vida no campo pela de operário fabril, mas nunca deixou de envergar o colete encarnado nas festas e feiras da região mantendo viva a tradição.

Por detrás do aspecto franzino está um homem que enfrentou toiros no campo e nas festas onde participou ao longo dos anos. Mário Petisca, o menino que foi campino, o homem que nunca se desligou das tradições e que hoje só já não monta a cavalo porque há um ano caiu da montada e partiu várias costelas. O guardador de gado, operário fabril e campino de fim-de-semana nas festas tauromáquicas da região tem 63 anos, começou a lidar com cavalos aos sete e com gado bravo aos 13. Nos tempos em que não havia camionetas os animais eram conduzidos durante vários dias pelos campos desde a sua Chamusca Natal até Vila Franca de Xira. Foi numa das vezes que transportou o gado para uma propriedade que o “patrão” tinha na lezíria de Vila Franca que apanhou o maior susto da vida. Um toiro fugiu e Mário galopou atrás dele, até que o bicho se vira de repente e sem hipótese de fuga o cavalo é furado com uma cornada. O equídeo ainda conseguiu andar para longe da fera mas morreu logo de seguida e Petisca safou-se de uma grande “tareia”. Trabalhava na casa agrícola Norberto Pedroso onde esteve dos 13 aos 20 anos. Era também ele que trabalhava com seis bois a lavrar os campos. Alguns já tinham sido corridos em touradas e de vez em quando viravam-se às ordens do jovem que sofria na pele e na carne as investidas. Mas nenhuma com gravidade.Sentado à porta da sua casa, no outeiro de S. Pedro, mirando os campos ao longo do Tejo, Mário Petisca vai desfolhando o álbum de recordações. Recorda os dias em que na condução do gado para outras propriedades, dia e noite, chegava a dormir em cima do cavalo. Levava num saco de pano um pão e um bocado de chouriço para retemperar forças. “Eram tempos difíceis”, desabafa. Ainda foi à escola, mas só aprendeu a ler aos 60 anos. “Em pequeno mal entrei na escola saí logo. Só lá estive dois dias, nem cheguei a aprender uma letra”. Foi para junto do pai, um homem do campo, que o ensinou a montar. “Metia-me em cima do cavalo, tinha sete anos. Recordo-me que não tinha sela. Depois ia dizendo o que tinha de fazer”. Foi para a tropa em Elvas, onde esteve três anos, e quis o destino que em vez de ingressar na cavalaria fosse atirador. Tal como quis o mesmo destino que nunca tivesse um cavalo próprio. Quando saiu da tropa foi trabalhar para a fábrica de tomate da Chamusca e quando saía do trabalho ia montar os cavalos do antigo patrão que lhe emprestava também a montada para ir a feiras e festas. Olhando para o álbum de fotografias recorda o terceiro prémio que uma vez ganhou num corrida de campinos na Feira do Ribatejo em Santarém. Mário Petisca andou em festas por terras como Vila Franca de Xira, Samora Correia (Benavente), Azambuja e nas festas da Ascensão da Chamusca, conduzindo os toiros pelas ruas, envergando o fato de campino que guarda no roupeiro de casa. Apesar de já não ter as forças de antigamente, de andar doente e dorido da queda que deu do cavalo em Abril do ano passado, Mário Petisca olha para o futuro com a esperança de voltar a montar. De olhar a vida do alto e manter a tradição. Teve três filhas que agora têm 27, 26 e 23 anos. A mais nova às vezes anda a cavalo. O campino fecha o álbum de fotografias, retira uma delas em que olha para a objectiva em pose altiva segurando o pampilho e conclui: “Foi uma infância de muitas dificuldades a que tive. Comia-se couves com feijão e pão de milho que era o que se conseguia arranjar com os 16 escudos (8 cêntimos) que ganhava por semana”.

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