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A bicicleta mágica e o circo da passarada de Armindo Filipe

Um profissional do entretenimento que faz vida na província

A bicicleta mágica de Armindo Filipe chama a atenção a léguas. O mini circo de passarinhos é outra das excentricidades deste homem dos sete instrumentos, profissional do entretenimento que ganha a vida na província. Um exemplo de boa disposição num país onde rir parece pecado.

A carrinha de Armindo da Piedade Filipe, 56 anos é uma espécie de pavilhão multiusos. De um lado as gaiolas com as caturras, vedetas do seu mini circo de passarinhos. Do lado esquerdo uma estante com dezenas de livros. No tecto luzes vermelhas dão um ar festivo à caixa fechada do furgão. À vista há um emaranhado de fios, fichas, interruptores para ligar lâmpadas, a aparelhagem e o plasma dos karaokes. Um cenário anárquico onde não falta um estojo de primeiros socorros. É ali também que por vezes dorme este homem dos sete instrumentos. E onde transporta a sua “bicicleta mágica”. Um veículo que comprou aos palhaços ciclistas de Santarém e que é uma soma excêntrica de apetrechos diversos, desde um guarda-sol a peças de máquinas de lavar loiça e de candeeiros de sala.O extravagante veículo capta a atenção de quem passa na estrada do Bairro de D. Constança, localidade nas proximidades de Tremês, Santarém, onde Armindo actua nessa noite de sexta-feira. Nos trapézios algumas das caturras que domestica na sua casa em Casais da Charneca fazem acrobacias para jornalista ver e registar. Os artistas do seu circo não vestem plumas e lantejoulas. Têm asas e bicos afiados, são vedetas aladas e irreverentes que o criador e tratador trata na sua maioria por Vítor ou ventoinha, conforme calha. “Passo mais tempo com elas que com os meus três filhos”, diz Armindo já com o fato circense vestido – boné da selecção portuguesa na cabeça com a pala virada para a nuca e uma berrante jaqueta vermelha. Armindo fala pelos cotovelos. É um homem de muitas histórias e exemplar raro nos tempos de hoje. Um profissional do entretenimento que faz vida na província, longe dos holofotes. Embora já tenha ido várias vezes à televisão. Puxa dos galões e diz-se um dos mais velhos disc-jockeys de Portugal, há 26 anos no activo. Passe o possível exagero, é um verdadeiro artista multifunções. Aliás o pequeno rectângulo de papel distribuído à porta de um hipermercado de Santarém que motivou esta reportagem é no mínimo apelativo: anuncia-se um mini circo de passarinhos em bicicleta mágica, e uma “Disco Dancing” que permite a animação de bailes, karaokes, todo o tipo de festas, seja de finalistas, de aniversários ou de casamentos. Infantários, escolas, lares e centros de dia, colectividades e associações fazem parte da sua lista de clientes. É presença habitual também em festas e romarias onde aparece espontaneamente. A Feira Nacional de Agricultura é outro poiso habitual para o seu circo alado e para a bicicleta mágica. De vez em quando vai até Lisboa, exibir os seus artistas no Parque das Nações ou junto à Torre de Belém. “Sempre vai dando para ganhar algum”. Os turistas pedem para tirar fotografias junto à sua bicicleta e ele não se faz rogado. Armindo fala de si com entusiasmo. É evidente que gosta daquilo que faz. Gosta de contribuir para a boa disposição das pessoas numa época em que parece haver muito siso e pouco riso. Em 1996 deixou a profissão de motorista da rodoviária e dedicou-se a cem por cento à causa. Hoje vai ganhando a vida com os espectáculos e com a criação de caturras na sua casa em Casais da Charneca, no concelho de Santarém. Olha-se para ele e são convocadas pela memória algumas personagens de filmes dos italianos Fellini e Scola. Ou, como se diz hoje, estamos na presença de “um cromo”.Criação de caturras começou por acasoA atracção pela passarada começou por acaso. Um dia encontrou uma caturra com poucos dias, desamparada. Armindo vestiu a pele de ama e criou-a “à mão”. Dormia num quarto, numa cesta. Deu-lhe asas para voar. E não quis ficar por aí. Começou a criar mais exemplares e a ensinar-lhes algumas habilidades. Depois tratou de pôr o trabalho a render com o seu mini circo de passarinhos. “São muitas horas de trabalho. eles quase que já falam comigo”. Tem duas gaiolas grandes em casa. Com 20 dias são retirados dos pais e começam a recruta que os vai levar a artistas. Armindo estraga-os com mimos. As aves estão anilhadas, tomam medicamentos e vitaminas na água, cálcio e um spray desparasitante. Entre 75 a 250 euros e com mais ou menos há caturras para todas as bolsas.Armindo tem ainda outro vício. É um coleccionador inveterado. Tem cerca de mil livros, mil discos LP antigos, 20 mil selos de 80 países, milhares de calendários de bolso. Colecciona também fotoreportagens de jornais, cartoons, alguns deles expostos na sua carrinha multiusos. “Sou também uma espécie de coleccionador” diz com orgulho e boa disposição. Porque apesar da concorrência desleal de que diz ser vítima no meio da animação musical – “qualquer um pega numa aparelhagem ou num computador” -, Armindo da Piedade Filipe não se deixa acabrunhar nem abdica de dar asas aos seus sonhos.

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