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A insustentável leveza de uma alteração legislativa

A administração fiscal, à luz da recente alteração legislativa, passou, de forma errada, a notificar os contribuintes/arguidos para pagarem os tributos, mas sem indicar o valor dos juros e das coimas devidas. Ora, perante aquele despacho do Tribunal de Alcanena, diga-se, muito corajoso, a administração fiscal, terá de repetir todas as notificações que já tinha feito, mas agora depois de apurar todos os juros devidos e todas as coimas.

Com a entrada em vigor da Lei 53-A/2006 de 29 de Dezembro vulgarmente conhecida por Orçamento Geral do Estado para 2007 que alterou a redacção do n.º 4 do artigo 105 do Regime Geral das infracções tributárias (lei n.º 15/2001 de 5 de Junho) – crime de abuso de confiança fiscal - instalou-se uma confusão generalizada em todos os tribunais.Nalguns, mormente em Caldas da Rainha, com discutível acerto jurisprudencial, alguns arguidos viram os seus processos ser arquivados, atento ter-se considerado sobrevir a despenalização dos crimes de abuso de confiança fiscal de que estavam a ser julgados. Outros, menos afortunados, lá foram tendo apenas o benefício da dilação temporal para apreciação das suas condutas, dado que ficaram a aguardar o cumprimento por parte da administração fiscal da notificação para puderem, ainda, pagar os tributos, os juros e as coimas devidas no prazo de trinta dias. De norte a sul do país, os processos, então em curso, quer se encontrassem nos tribunais de 1.º Instância, quer se encontrassem nos Tribunais da Relação, no Supremo Tribunal de Justiça ou mesmo no Tribunal Constitucional, ficaram pois todos parados enquanto a administração fiscal, cumpria a sua nova obrigação. O Supremo Tribunal de Justiça apressou-se a proferir um Acórdão de forma a “uniformizar” um entendimento quanto ao sentido da alteração legislativa, para que não se arquivassem mais processos do que aqueles que já tinham conhecido um despacho dessa jaez. Contudo, os problemas, quanto à análise deste tipo de crime, e agora em muito acrescentados com a alteração legislativa do OE para 2007, estão longe de estarem resolvidos.Não pode desde logo passar despercebido o recentíssimo despacho do Tribunal Judicial da Comarca de Alcanena que à beira de iniciar o julgamento dos arguidos pelo crime de abuso de confiança fiscal de que vinham acusados, após requerimento apresentado nesse sentido por parte do advogado, ordenou que o julgamento não começasse porque a notificação que a administração fiscal havia feito para os arguidos liquidarem os tributos, não se encontrava perfeita, conforme a lei agora o ordena. A administração fiscal, à luz da recente alteração legislativa, passou, de forma errada, a notificar os contribuintes/arguidos para pagarem os tributos, mas sem indicar o valor dos juros e das coimas devidas. Ora, perante aquele despacho do Tribunal de Alcanena, diga-se, muito corajoso, a administração fiscal, terá de repetir todas as notificações que já tinha feito, mas agora depois de apurar todos os juros devidos e todas as coimas. Porque o assunto não vai concerteza passar despercebido aos advogados mais atentos nestas matérias, todos deverão estar a preparar os seus requerimentos de forma a evitar que os seus clientes sejam sujeitos a julgamentos. A confusão está agora incrementada. Muitos problemas ir-se-ão ainda levantar, acreditando-se aliás, que existem neste momento argumentos, para paralisar todos os processos de abuso de confiança fiscal que correm de norte a sul do país. São a ausência de prazos nos despachos judiciais para a Administração Fiscal cumprir com a notificação que agora se lhe exige, são afinal os novos argumentos centrados na inconstitucionalidade do preceito, por violação do principio da subsidiariedade, agora acrescentados com o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, são afinal os argumentos centrados na violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que perante a forma como a Administração Fiscal Portuguesa, faz as suas investigações neste tipo de crime, implica, à luz já do entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que a prova recolhida não possa ser utilizada em julgamento, por violação do principio fundamental da presunção da inocência e que esta viola de forma aberta, a coberto ainda de entendimentos menos esclarecidos por parte da nossa jurisprudência, mas que inevitavelmente terão de soçobrar, quando o Estado Português começar a ser condenado no Tribunal dos Direitos do Homem. Cabe perguntar se não seria muito mais proveitoso ao Estado despenalizar de vez o crime de abuso de confiança fiscal, o que impõe aliás numa simples óptica de custo benefício, incrementando a eficiência dos processos executivos.Vitor Coelho da Silva (Advogado)

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