Pensaram que eu tinha enlouquecido
No dia em que fez 39 anos, a 10 de Junho de 1986, Sam Abercromby chegou a Tomar guiado por uma série de visões que tinha começado a ter meses antes, na cidade de portuária de Fremantle, Austrália, onde residia. O pintor jura a pés juntos que as visões não foram provocadas por nenhum produto que andasse a consumir. “Eu sempre fui contra o consumo de drogas”, diz com convicção.Nas visões apareciam uma casa com três arcos que tinha o nome dele gravado numa varanda em ferro forjado. E havia um pavimento em xadrez preto e branco, coberto por água, que ele tinha que atravessar para chegar a umas escadas. Muitos elementos apontavam para um país do sul da Europa.As visões sobre a casa de Vila do Paço, concelho de Torres Novas, que ainda está na sua posse e onde está o seu atelier, só se tornariam realidade um ano e meio após a chegada - quando foi para Pousos pintar um retrato de um cliente e se deslocava à Loja Grande em Vila do Paço para comprar tintas, pincéis e colas. Mas houve uma visão que se cumpriu à chegada. “Eram 3 da tarde quando o autocarro onde eu viajava parou em Tomar, em cima da ponte velha, para deixar passar uma banda de música. Era Feriado Nacional mas eu não sabia. Acordei e ali estava o que eu tinha visto, tal qual eu tinha visto. A banda, o castelo em frente, ao fundo da rua, a queda de água ao meu lado. Comecei aos saltos. As pessoas pensavam que eu tinha endoidecido”.O pintor diz que nunca mais voltará à Austrália. Mas nem sempre pensou da mesma maneira. Ao fim de um ano e meio em Tomar e com a vida a andar para trás, telefonou aos amigos a pedir que o ajudassem a regressar. Tinha avião a 22 de Dezembro mas em Agosto recebeu um telefonema de uma amiga alemã que lhe tinha levado quarenta quadros, para tentar vender no seu país, a dizer que tinha cinco mil contos para depositar na conta dele. “Durante 5 anos a Bárbara vendeu tudo o que pintei. Foi a minha salvação mas também foi uma espada de dois gumes. Quando ela morreu, de repente, de cancro, eu não tinha criado mercado aqui. Pintava aqui e vivia aqui mas vendia tudo lá. Ninguém aqui sabia que eu era pintor”, explica.A pouco e pouco Sam Abercromby foi conquistando o seu lugar no mercado internacional de arte. Mas nem sempre tem histórias bonitas para comprar. Há tempos um incêndio na casa de um dos seus grandes clientes, o ex-basquetebolista e seu compatriota, Luc Longley, dos Chicago Bulls, fez desaparecer, para sempre, duas dezenas de quadros da sua autoria, oito dos quais o pintor classificava entre os seus dez melhores de sempre.
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