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“As pessoas vivem com medo e os jornais deviam pôr isso na primeira página”

“As pessoas vivem com medo e os jornais deviam pôr isso na primeira página”

O jornalista e escritor Baptista-Bastos mantém a esperança de viver numa sociedade sem classes

Baptista-Bastos foi fundador, no final dos anos setenta, do Semanário O Ponto. Para aquele jornal realizou, entre muitos outros trabalhos, uma série de oitenta entrevistas – trinta das quais estão editadas no livro “Um Homem Em Ponto” - que assinalaram uma revolução naquele género jornalístico e marcaram a época. O MIRANTE desafiou-o a responder a algumas das perguntas que ele costumava fazer aos seus entrevistados.

O poeta José Gomes Ferreira escreveu que “viver tanto também cansa!”. Concorda?Não. Viver não cansa. Nem mesmo quando a vida é difícil? Uma coisa boa na vida é quando a vida é difícil. As pequenas coisas que conquistamos transformam-se em grandes felicidades.A solidão, o que é?A solidão é a recusa da partilha com o outro.Assusta-o a ideia da morte?Não me assusta nada. Não tenho medo nenhum da morte. Já viu a morte?Não a vi mas pressenti-a, em várias ocasiões. Qual a sua relação com os bens materiais? O corpo é a única propriedade privada que temos. E as pessoas não percebem isso.Sem ser Portugal qual o país ou cidade onde gostaria de viver?Ou em Luanda, que acho a cidade mais bonita do mundo, ou no Rio de Janeiro. Eu tenho o meu Triângulo das Bermudas. Os vértices são Luanda, Rio de Janeiro e Lisboa.A diferença entre a juventude do seu tempo e a juventude de agora.Não há muita diferença. As diferenças são mais criadas que reais. São mais instiladas e instigadas do que verdadeiras. Há liberdade em Portugal?Só acabam com a liberdade se nós quisermos. Esta choldra que tomou conta do poder, uma das coisas que fez, de uma gravidade espantosa, foi acabar com o subsistema de saúde dos jornalistas. Há jornalistas que estão na faixa da miséria. Têm reformas de 80 contos (400 euros). Acabaram com algo que a classe criou em 1947. Isso foi o começo de tudo. Foi o apalpar do pulso. As pessoas vivem cheias de medo. Têm medo de perder o emprego. Têm medo do camarada do lado. Incentiva-se a bufaria. Os jornalistas têm responsabilidade. Os jornais deviam pôr isso na primeira página. Esta é uma democracia que só favorece as pessoas que têm dinheiro. O que é a criatividade.O Guy de Maupassant era parente do Flaubert e levava-lhe os originais para ele ler. O Flaubert usava lápis azul, exercia censura. Riscava. Dizia que não prestava – “c’est une merde, c’est une merde”. Até que um dia o Guy de Maupassant escreveu um conto admirável chamado Bola de Sebo. Flaubert lê aquilo e diz que é muito bom. Depois faz uma pausa e diz o seguinte: “Meu filho, antes de nós tudo já foi escrito. Temos que escrever as mesmas coisas, porém com palavras mais belas”.Para criar é necessário destruir?É uma tese, mas eu penso que não.A sua esperança?Uma sociedade sem classes.
“As pessoas vivem com medo e os jornais deviam pôr isso na primeira página”

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