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Os campinos do futuro vão conduzir os animais com recurso a sistemas informáticos

A paixão pelo Ribatejo vem do berço. Filho de campino, Sérgio Perilhão é um entusiasta das tradições da Lezíria e da Charneca. Administrador de empresas e homem do seu tempo, diz que os campinos continuarão a existir mas que em vez de pampilhos vão usar novas tecnologias para melhor executarem o seu trabalho.

Há cada vez mais festas com tradições ribatejanas. Isso é positivo ou perde o carácter genuíno?A realização das festas associadas ao Ribatejo é sempre positiva, mas os campinos vão rareando e há muita gente que se farda de campino sem o ser. Mas sempre assim foi, porque os familiares dos campinos sempre gostaram de seguir as tradições.Em algumas festas, os campinos recebem dinheiro pela participação…Tenho o maior respeito e consideração por todos os campinos, mas julgo que não devem receber dinheiro. Devemos recebê-los com carinho, proporcionar boas condições e dar-lhes tudo o que merecem, mas eles não precisam de dinheiro. Sei que não são eles que exigem, mas não aceito que se pague e alguns campinos também não aceitam ganhar dinheiro. Eles são a festa e nós fazemos tudo para que sejam as figuras mais respeitadas. Quando desaparece um campino é como se tivesse partido alguém da sua família?Nos últimos anos perdi muitos amigos. É uma tristeza enorme porque alguns partiram muito novos.Uma conversa com um campino é sempre um momento de aprendizagem?Um campino tem uma experiência e uma força de vida enormes. Eles têm a sabedoria em cada frase simples e deixam-nos ficar a pensar. Tenho guardadas memórias de longas conversas com homens que muito admiro e que me ajudaram a crescer como homem. Um dia, vamos ter festas ribatejanas sem campinos?Julgo que o campino vai manter-se porque isto está no sangue das pessoas. Mesmo os que trabalham em oficinas gostam de montar a cavalo e de se fardar para estarem nas festas tradicionais. Vão junto de uma casa agrícola e pedem uma montada emprestada. Vemos aqui pelas festas da região, onde há cada vez mais jovens a participar.E para os motivar, não é preciso inovar?Não sei se será preciso…Estive recentemente numa feira taurina em Espanha onde vi jovens de todas as raças a viver com emoção o espectáculo taurino. Vi jovens com brincos na orelha a vibrar com a festa. A tauromaquia é uma coisa que não se explica, mas se absorve. Repare no exemplo de Samora Correia onde os novos moradores vivem a festa brava com entusiasmo. Quando se anuncia uma largada, toda a gente se desloca para o Calvário (local onde decorrem as largadas). Como defensor das tradições, fica chocado quando vê homens “mascarados” de campinos? O senhor Fernando Palha falou disso numa entrevista que deu a O MIRANTE. A mim também me choca tudo o que não é genuíno. Percebo que é impossível haver hoje tantos campinos como havia antes. Ainda me lembro da Companhia das Lezírias mandar 11 campinos para a Feira do Ribatejo. Hoje a vida no campo mudou. O campino desloca-se numa carrinha 4X4 e faz todo o tipo de trabalho.A vida no campo está mais facilitada?Antigamente o campino passava a semana no campo, dormia junto aos toiros e nas noites de luar montava a cavalo para ver se estava tudo bem. O gado era contado de manhã e antes do sol posto. O campino não tinha horário e vivia numa casa de colmo, muitas vezes só com uma divisão onde dormia e fazia a comida. Hoje para se enjaular um toiro no campo, dá-se ração junto do enjauladouro e quando o toiro se descuida, no dia da corrida, está fechado. Antigamente quase todas as ganadarias tinham de recorrer ao enjauladouro da Companhia das Lezírias no Cabo de Vila Franca porque era a maior empresa agro-pecuária e a única que tinha capacidade para ter condições.A Companhia das Lezírias tratava bem os seus criados?Foi a primeira empresa a construir casas de alvenaria na lezíria para os criados. Conheci algumas cobertas de caniço que eram confortáveis no Inverno e no Verão. A Companhia das Lezírias foi uma empresa marcante no desenvolvimento de toda esta região como empregadora e geradora de riqueza.A maioria dos jovens campinos que conhecemos abandonou a escola cedo. Seria importante criar cursos profissionais que motivassem estes alunos para estudarem ao mesmo tempo que trabalham no campo? É uma excelente ideia porque o jovem tem de se adaptar aos tempos modernos. Há ganadarias que têm toda a sua organização informatizada. Hoje já não se pode usar aqueles livros pretos onde o ganadero registava toda a história do animal. É um património rico que deve ser preservado, mas temos de acompanhar a evolução e simplificar os procedimentos.O campino e o maioral do futuro vão andar com um PDA (mini-computador portátil) no campo?O maioral de amanhã tem de ter cultura taurina e competências na área informática. Tem de perceber que o toiro que ele acompanha é fundamental para o êxito da festa e o registo informático completo é fundamental no processo de criação do toiro de lide.Não me admiro que venhamos a ter maiorais e campinos a gerir a manada com computador portátil. É mais fácil registar os dados dos animais no PDA e ter uma base de dados informatizada.A necessidade de aquisição de formação e de competências também é um problema dos jovens toureiros que não conseguem conciliar os estudos com a carreira?Nós estamos numa zona onde temos a maior parte e as melhores ganadarias portuguesas, temos excelentes coudelarias, temos toureiros, cavaleiros, forcados e um património humano ligado ao campo e à festa brava que deve ser valorizada. A formação dos vários agentes da festa é importante para os valorizar e a criação de cursos profissionais nessa área seria muito útil. Tudo quanto permita valorizar o desenvolvimento intelectual melhora as nossas vidas.

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