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Trabalhar na força do calor porque o país não pára

Trabalhar na força do calor porque o país não pára

Profissionais explicam como lidam com as temperaturas escaldantes durante o pico do Verão

Pedreiros, jardineiros, cozinheiros e motoristas são vítimas do calor que sufoca, mas confessam que há sempre formas de vencer as altas temperaturas que se têm feito sentir.

São 14H30 e os termómetros marcam 41º graus centígrados. Sentada numa cadeira de pano azul escura, protegida por um guarda-sol branco às flores, Elisa Santana, de 70 anos, tenta proteger-se do calor que quase sufoca quem anda na rua. Todos os dias, esta vilafranquense monta e desmonta a sua banca colocada na esquina que dá acesso à estação de caminho-de-ferro da cidade.É assim há mais de 50 anos. Às 9h00 da manhã já tem tudo pronto para os clientes escolherem. Quer faça sol ou chuva. Corta-unhas, leques, óculos de sol, baralhos de cartas, brinquedos, escovas para cabelo, espelhos de bolso, são alguns dos muitos objectos que podemos encontrar no seu estabelecimento volante.Só em dias de calor extremo, como aconteceu a 30 de Julho, em que o termómetro registou mais de 40º graus, é que Elisa Santana prescindiu do trabalho e ficou em casa. “Como não tenho patrões posso decidir quando trabalho ou não, embora não tenha o hábito de faltar porque sem trabalho não há dinheiro. Mas a idade já não me permite estar à esturra do sol. Tenho que me preocupar primeiro com a minha saúde”, explica.“Prefiro trabalhar no Inverno, com frio e chuva, porque visto mais um casaco e uma camisola bem quente e protejo as coisas com um plástico. No Verão só me consigo proteger com o guarda-sol que não refresca nada e beber muita água mas não é suficiente”, lamenta.Se existe profissão difícil de executar no pico do Verão é a profissão de pedreiro. Trabalham na rua, debaixo de um sol abrasador e abafado onde, muitas vezes, não corre uma brisa. Estão directamente expostos ao calor e não têm como se proteger das altas temperaturas nem têm uma sombra onde se possam encostar. Como trabalham ao ar livre não têm a possibilidade de terem consigo uma simples ventoinha para se refrescarem. “É complicado mas o trabalho não pode parar só porque está calor. A obra tem um prazo para ficar concluída e nós temos que cumprir esses prazos. Seja com muita chuva ou muito sol”, explica Rui Custódio, pedreiro há mais de 15 anos.“Quando o calor se torna insuportável vamos beber umas cervejinhas ao café mais perto da obra. Ajuda a refrescar. Nos dias de maior trabalho, se estiver muito abafado, molho a cabeça com água e bebo muitos líquidos. Temos que saber amenizar o efeito do calor porque senão não aguentávamos duas horas a trabalhar”, continua.De avental e touca branca, impecavelmente limpos, Maria de Fátima Russo, cozinheira do restaurante Kanimambo, em Santarém, prepara e tempera a comida que será servida ao jantar. Para a cozinheira, natural de Almeirim, trabalhar nos meses mais quentes do ano não é problema. Já se habituou e confessa que nem se apercebe do calor existente na cozinha. “É tão normal trabalhar sempre com muito calor que nem reparo. Ingiro muita água e isso ajuda a não sentir calor. Está-se muito melhor dentro da cozinha do que na rua, sobretudo naqueles dias onde não corre uma única brisa e até custa respirar”, conta. Admite, no entanto, que prefere trabalhar de Inverno. “Como a cozinha é sempre muito quente nunca tenho frio no Inverno”.Quem também não pode fugir do calor é Manuel Almeida, agricultor há mais de 30 anos. De Maio até Setembro são os meses onde o volume de trabalho é mais intenso e, por isso mesmo, este agricultor de Almeirim já está mais do que habituado a trabalhar debaixo de temperaturas muito altas. “No campo está sempre muito mais calor do que na cidade. Já trabalhei com mais de 40º graus e posso dizer que é muito duro mas habituamo-nos. A época do tomate e do melão é feita nos meses de Verão e não há forma de mudarmos isso. Quando escolhi esta profissão sabia que seria assim”, salienta, adiantando que sempre que sente necessidade “refresco-me com a água da mangueira”.António Carvalho, cantoneiro de limpeza da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, é um dos poucos exemplos de quem gosta de trabalhar em dias muito quentes. Todos os dias tem que cuidar do jardim Constantino Palha, junto ao rio Tejo, em Vila Franca, e não se incomoda com isso. “Criei um método de trabalho que me permite trabalhar sempre à sombra. De manhã varro e cuido de toda a parte do jardim que está protegida pela sombra e de tarde limpo a outra metade que de manhã estava ao sol. É uma questão de organização. É muito melhor trabalhar durante o Verão, mesmo com muito calor, do que no Inverno devido à lama que se forma com a chuva”, explica.Dentro do seu táxi com a porta toda aberta para trás, José Costa, 59 anos, aguarda o próximo cliente na fila destinada aos táxis, em frente à estação de caminho-de-ferro de Vila Franca. O motorista trabalhou toda a vida no ramo automóvel. Primeiro como camionista e agora como taxista. “Sempre trabalhei exposto ao calor e ao frio e nunca tive problemas com as temperaturas, sejam elas muito altas ou muito baixas. É lógico que com ar condicionado seria muito mais fácil trabalhar mas, não havendo, não podemos parar de trabalhar uma vez que as contas não se pagam sozinhas e o dinheiro é preciso”, refere.Opinião diferente tem Manuel Lopes motorista há mais de 30 anos. A dar apoio a uma obra numa das principais ruas de Vila Franca de Xira, Manuel Lopes confessa que sempre sofreu muito com o calor, sobretudo, quando os camiões em que se desloca não possuem ar condicionado. “Trabalho para uma empresa e não temos um camião fixo. Depende dos trabalhos que realizamos. Alguns têm ar condicionado mas a grande maioria ainda não tem. É complicado quando temos que fazer viagens muito longas, algumas para a Europa, e não temos nada que nos refresque. Temos que abrir os vidros, beber muita água e parar de duas em duas horas para descansar. É fundamental senão não se consegue trabalhar”, conclui.
Trabalhar na força do calor porque o país não pára

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