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“Deve haver muita gente que não gosta de mim”

“Deve haver muita gente que não gosta de mim”

Paulo Espírito Santo é um político socialista revoltado com a injustiça e a intolerância

Paulo Espírito Santo tem 59 anos, nasceu em Faro e adoptou Alpiarça como a sua terra. É um dos rostos mais visíveis do PS local. Se não tivesse tido o acidente de mota que lhe roubou as duas pernas, provavelmente hoje não estaria tão envolvido na política. Confessa que já passou por grandes dificuldades na vida e que sentiu medo quando lhe tentaram incendiar a casa. Mas isso, garante, não o vai fazer desistir da política nem abandonar Alpiarça.

Porque é que vem viver para Alpiarça?Nasci em Faro e entrei na tropa como voluntário na Força Aérea. Foi a minha primeira saída de casa. Passei pelas bases da Ota e do Montijo e estive em Tete, Moçambique, no tempo da guerra colonial, onde era controlador aéreo. A dada altura conheci a minha mulher, que é natural de Alpiarça. Morava em Lisboa e visitava frequentemente Alpiarça, até que a pedido dela acabámos por nos mudar definitivamente há cerca de 20 anos. Qual era o ambiente no concelho na alturaComeço a vir a Alpiarça antes do 25de Abril. Não tinha uma sólida formação política mas conhecia os conceitos da democracia através da leitura que fazia das revistas das Selecções do Readers Digest. Senti que as pessoas em Alpiarça eram muito fechadas, rudes até. Mas ao mesmo tempo eram e são muito solidárias. Após o 25 de Abril muita gente de Alpiarça ia ajudar a fazer ocupações de terras noutros sítios porque acreditava que aquilo era o caminho, daí ser uma terra muito politizada. Como era a sua família?Sou filho de um segundo casamento do meu pai. Ele fez uma série de coisas na vida. Foi bancário, trabalhou no Brasil numa empresa que exportava madeiras exóticas para Inglaterra… Tinha formação de base de oficial da marinha mercante e construiu barcos para ele navegar. O meu avô era contador (contabilista) e a minha avó era costureira da rainha D. Amélia em Lisboa. É quando já vive em Alpiarça que tem um acidente que lhe muda radicalmente a vida…Tive o acidente em 1989, tinha 41 anos. Estava na força da vida. Era comissário de bordo na TAP e estava na direcção do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil e fazia diariamente a viagem entre Alpiarça e Lisboa de mota. O acidente ocorreu quando vinha de uma reunião da direcção do sindicato. Recordo-me que tínhamos feito em Junho desse ano a primeira greve e havia muito receio que ela fracassasse porque a nossa classe profissional era tida como muito moderada. Andar de mota era uma paixão?A mota é o sonho do cavaleiro andante. E o meu sonho não se cumpriu quando era mais jovem. O meu irmão foi vários anos campeão de motociclismo, via nele o modelo do que queria também ser, mas só depois dos 30 anos consegui comprar uma mota. Se andasse de carro também podia ter tido um acidente grave. Quando entra para o sindicato já era do Partido Socialista?Fui eleito numa lista de fusão de independentes com militantes do PS e do Partido Comunista. O presidente e o vice-presidente eram do PCP. Eu era um simpatizante do PS mas não era militante porque não queria ter benefícios na minha profissão por causa da militância partidária.Que tipo de benefícios?Na altura era Presidente da República o Mário Soares e na TAP dizia-se que as tripulações para os voos presidenciais eram escolhidas de entre os militantes do PS. Não me sentia bem que pensassem que entrava para o partido para fazer parte dessas tripulações. Sou convictamente anti-nepotismo e prejudico os meus em benefício dos outros. Se tivesse um cargo público e a minha filha fosse uma óptima assessora nunca a convidaria para trabalhar comigo. Entrei para militante quando já estava em Alpiarça fruto das conversas com uma pessoa inteligente e com um sentido democrático que tenho encontrado em pouca gente, o dr. Castro. Dava-se bem com os seus colegas comunistas no sindicato?E continuo a dar-me bem. Uma das pessoas a quem habitualmente costumo pedir opiniões é militante do PCP e presidente de uma junta de freguesia. É fácil dar-me com os comunistas em Lisboa. Em Alpiarça não é assim?Não tanto porque a sua forma de estar deriva muito de uma oposição muito contestatária e de confronto.O acidente que teve foi dramático…Um carro bateu-me e projectou-me contra os rails de protecção, do qual resultou logo a amputação traumática da perna esquerda. Enquanto estou no chão há um carro que passa por cima da perna direita, que teve de ser amputada. E tudo aconteceu em datas especiais. O acidente foi no dia 11 de Dezembro, na véspera do meu aniversário, e fui amputado da perna direita na véspera de Natal. Foi um azar, um castigo?Não é que acredite num destino marcado, mas o nosso percurso de vida conduz-nos a determinadas situações.Sentiu que era o fim de tudo?Lembro-me de uma pessoa no local do acidente que me dizia com um sotaque alentejano para não desistir. E recordo-me de estar sentado no chão e ver a perna amputada ao meu lado. Nesse momento senti pena. Mais tarde é que comecei a pensar no que seria a minha vida.Mas não desistiu…Fui tirar um curso de gestão de recursos humanos. Foi quase começar a vida do zero. Tenho-me habituado a viver com o que tenho e tenho-me adaptado às circunstâncias.Que valores lhe incutiram na infância e que ainda hoje são uma premissa?O meu pai sempre me disse para não fazer aos outros aquilo que não queria que me fizessem. E aprendi as regras do cavalheirismo bem como os ideais da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Antes do acidente vivia bem. Considerava-se um burguês?Se encararmos que a revolução francesa foi uma revolução burguesa não tenho pejo em dizer que sou burguês. Se ser burguês é ser o grande proprietário, então não o sou. Algum momento passou por dificuldades na vida?Quando me casei lembro-me que tínhamos 25 tostões, que dava para dois cafés, e uma laranja. Mas não considerava que vivia mal porque já estive muito pior depois disso.O que é que o revolta mais?A injustiça e a intolerância. Também às vezes sinto que sou injusto e intolerante e fico revoltado comigo próprio, porque de perfeito não tenho nada. Sobre os meus defeitos também tenho consciência que sou muito teimoso.
“Deve haver muita gente que não gosta de mim”

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