Começou a estudar depois de ter netos e não há quem a consiga parar
A necessidade de começar a trabalhar cedo para contribuir para os encargos da família e o casamento com um militar em tempo de guerra colonial, fizeram com que Maria Emília só conseguisse tirar a quarta classe aos 32 anos. Hoje é uma das alunas mais entusiastas da universidade sénior do Entroncamento.
“Senti tantas saudades quando aqui entrei” desabafa Maria Emília Martins, sentada numa das salas da sede da Associação de Professores do Entroncamento (Econprof), onde nasceu, em 2005, a universidade sénior da cidade dos comboios. Maria Emília é uma das alunas mais entusiastas e faz ainda parte da tuna académica, fundada no ano lectivo passado. “Nunca é tarde para aprender” diz quem passou parte da vida de um lado para o outro “como os ciganos”.Nasceu na aldeia raiana de Rosmaninhal, distrito de Castelo Branco. Filha de trabalhadores do campo, aos quatro anos veio para o Entroncamento, depois de os pais terem arranjado emprego na Quinta da Cardiga. Nunca fez trabalho agrícola – “a minha mãe poupou-me sempre”. Enquanto os pais labutavam no campo Maria Emília aprendeu costura e esteve durante anos na fábrica de malhas Ilda, entretanto encerrada. À mãe confessava muitas vezes que gostava de ser enfermeira mas o dinheiro não chegava para os estudos e Maria Emília cedo percebeu que o sonho nunca se iria concretizar, apesar de nessa altura só ser necessário ter o segundo ano.Maria Emília não passou da terceira classe, porque o dinheiro do seu trabalho fazia falta à família. Acabou por casar com um militar e a vida de saltimbanco continuou. Viveu em Angola e Moçambique, e também nos Açores, nos períodos em que o marido ali prestou serviço. O 25 de Abril apanhou-a em Luanda. A partir dessa altura as constantes mudanças de casa pararam. Regressou ao Entroncamento. A sua função durante os anos seguintes foi cuidar dos três filhos. Mas o bichinho da escola perseguia-a. Tanto que aos 32 anos decide voltar aos livros e tirar a antiga quarta classe. “Eu queria tirar a carta para não me sentir tão dependente e para isso era preciso ter a quarta classe”, justifica, adiantando com um misto de orgulho e vaidade – “consegui a carta logo à primeira. O meu marido, que tirou depois, só ficou bem à segunda”. Com os filhos criados – uma das descendentes realizou o sonho da mãe e hoje é enfermeira – passou a cuidar dos netos. Quando a filha mais velha lhe pediu para ficar com o terceiro neto Maria Emília recusou. “Disse-lhe que lhe pagava a ama mas tinha decidido tirar algum tempo para mim”.No ano passado inscreveu-se na universidade sénior da cidade. “Foi a melhor coisa que fiz. Estou a viver o que gostaria de ter vivido na minha mocidade”, diz quem se lembra das limitações da juventude. “No meu tempo as mulheres não conviviam nem saíam de casa para se divertirem. Conhecia o café Scafa porque passava ali na rua mas baixava sempre os olhos porque não era de bom-tom uma mulher olhar lá para dentro. Agora entro ali de cara bem levantada”.Escolheu aprender português, francês, inglês e informática e faz também hidroginástica. Quando se lhe pergunta se já sabe falar alguma língua estrangeira a resposta sai com um sorriso: “Oui, madame”. A actividade é tanta que hoje o marido, major aposentado, queixa-se que quase nunca lhe põe a vista em cima. “A culpa é dele, que não quer inscrever-se também, prefere passar os dias a cuidar da horta”.Foi uma das fundadoras da tuna académica da universidade “porque adora cantar” e lembra com orgulho a presença da tuna na Feira da Agricultura de Santarém, em Junho passado. E é uma angariadora de novos estudantes para a universidade. “Ainda hoje estive a desafiar uma amiga para entrar. Ficou viúva há pouco e esta é a melhor maneira de ultrapassar os problemas”, diz quem, aos 66 anos, se sente como tivesse 18. “Estou a viver a juventude que nunca tive”.
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