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“Entrei a matar porque era necessário ser conhecido”

Alves Gomes reconhece que veio para agitar o mundo do futebol regional
Pouco tempo depois de ter entrado no futebol distrital envolveu-se em conflitos com árbitros, com um treinador, com dirigentes. É uma pessoa conflituosa?Não. O futebol é um mundo diferente. O futebol tem de ser mexido, alguém tem de agitá-lo.E o senhor veio para agitar?Exactamente. O futebol não pode viver no marasmo, no esquecimento. Tem de ser badalado. Evidentemente tem que haver ética, tem que haver respeito de umas pessoas para as outras. Mas tem que haver algum movimento. Não sou uma pessoa pacífica, mas não é no mau sentido. É no sentido positivo.Mas tem fama de ser uma pessoa com mau feitio. É provável que alguém pense dessa maneira. Considero-me uma pessoa astuta e entendo que quando estive no Benfica do Ribatejo entrei a matar porque era necessário ser conhecido.Gosta de ser conhecido?Qualquer pessoa que faz qualquer coisa gosta de ser conhecida. Não ser conhecido é quase a mesma coisa que não existir. Podem considerar que agito, mas agito no sentindo de o futebol ser melhor. Este ano a minha postura foi completamente diferente em relação às arbitragens.Porquê?Porque me comecei a aperceber que os árbitros também precisam de sossego e de um bocado de amparo. Porque andam um bocado desamparados. E às vezes causa-me tristeza também como são tratados em muitos sítios. Temos de ser um pouco mais moderados, senão algum dia não há árbitros. E o futebol sem árbitros é uma grande confusão.O senhor gosta de protagonismo?Não é gostar de protagonismo. Mas quem não é visto não é achado. Será por isso que há muita gente que não gosta de si no futebol regional?É provável. Reparem: aparece um indivíduo que é um homem do gado, como algumas pessoas me intitulam…Fica chateado quando fazem essas alusões?Não, pelo contrário. Negociar em gado é uma prova de inteligência. Há doutores, arquitectos, engenheiros que vão trabalhar para o gado e desaparecem. Há gente sem cultura que vai ver mil bois e num relance diz quanto valem. E isso não está ao alcance de qualquer um.É um especialista a avaliar as cabeças de gado.Sou um perito nessa matéria. Fui considerado durante muito tempo o rei do gado. O homem que mais gado movimentava em Portugal. Mas isso não me inibe de perceber de futebol. Sente-se uma pessoa incompreendida?Não. O problema é que sou um indivíduo que incomoda. Evidentemente que uma equipa desistir do campeonato não é uma situação bonita, mas tem que se aceitar vendo-a pela análise que faço de não querer acumular dívidas.“A minha grande doença no futebol é a falta de dinheiro”Como é que aparece a sua ligação ao futebol?Antigamente imaginava que o futebol era um bicho de sete cabeças e não era acessível a um certo tipo de pessoas. Achava-me pequeno demais para um dia poder desempenhar um papel qualquer no futebol.E quando é que descobriu que tinha essa “estatura”?Descobri já tarde, com cinquenta e tal anos. Mas a paixão pelo futebol já vinha desde os 12 anos, quando fui para Lisboa trabalhar. Qual é a sua simpatia clubística?Nunca fui um simpatizante deste ou daquele clube. Sou um amante do futebol em geral. Nunca foi praticante?Não fui praticante e apercebi-me que não era dotado tecnicamente de condição para poder ser um bom executante. Aprendi com muita facilidade a aperceber-me do que é um executante exímio e não exímio. Porque há muita gente que vê futebol, mas não vê com a atenção toda. É por achar que tem essa capacidade de avaliar um bom jogador que criou ou investiu em equipas que eram uma espécie de montra de jogadores? Ou era também o prazer de competir e de ganhar?Tudo isso está ligado. Não tenho problema nenhum em arranjar vinte elementos de grande envergadura para fazer um trabalho espectacular em qualquer equipa. O meu grande problema no futebol é a falta de meios financeiros.Já se cansou de investir?Para falar com sinceridade, no futebol pouco investi ou nada. O que fiz foi fazer subir duas equipas da segunda divisão distrital. Nesse escalão os investimentos são relativamente baixos ou quase nenhuns.Mas teve de fazer, por exemplo, um campo de futebol?Sim, o campo de futebol fez-se de uma forma, como hei-de dizer, quase familiar. Tínhamos os condimentos todos para fazer o campo. E o campo é simples, o terreno era fácil de arranjar, pouco se gastou ali com as máquinas.E quem é que pagava aos jogadores?Na segunda divisão não havia salários. E os brasileiros ou os africanos que trouxe para os seus clubes?Os africanos são todos de origem portuguesa e já viviam cá. Muitos estavam ainda com a nacionalidade angolana ou cabo-verdiana porque os pais optaram por esse tipo de situação, mas nasceram em Portugal a maior parte na zona de Lisboa. E eles vinham jogar para os Tigres ou para o Benfica do Ribatejo pelo prazer de jogar. Podia-se gastar alguma coisa no transporte. Neste país existem centenas de jogadores de qualidade que andam por aí perdidos. E a gente fazia um trabalho de captação nesses bairros…Era o senhor que o fazia?Sim. Nunca para o Benfica do Ribatejo ou para os Tigres foi um jogador que eu não aprovasse. Assume-se como um empresário de jogadores?Não.Está desvinculado do futebol actualmente? Estou desvinculado mas não estou desatento. E queria que ficasse bem claro neste depoimento que o facto de ter parado com o Benfica do Ribatejo depois de ter subido de divisão e com os Tigres depois de ter subido de divisão foi a falta de dinheiro. Essa é a maior doença que tenho. Houve falta de planeamento?Tivemos promessas de três entidades para colocar publicidade nas camisolas nos Tigres que nunca se concretizaram. E acho que se chega a uma certa altura em que é preferível pagar aos jogadores e arranjar-lhes colocação noutro lado do que manter um projecto inviável. Preferiu evitar que se acumulassem os prejuízos.Não podia de maneira nenhuma deixar acumular prejuízos e chegar a um ponto desses em que o clube em vez de parar por um tempo para reflectir fica destroçado a nível financeiro. Sem dinheiro não há melões. E actualmente há falta de dinheiro. Havia empresas que estavam dispostas a ajudar, mas que depois tiveram problemas… Também é preciso não esquecer que os Tigres só em Julho souberam que iam subir. E tínhamos arranjado uma equipa para a segunda e tivemos de a reforçar para jogar na primeira. Estávamos à espera do ovo no rabinho da galinha e ele não apareceu. A Câmara do Cartaxo também não nos apoiou, apesar de terem dito que se subíssemos iam ter isso em atenção.Sente que defraudou algumas expectativas com essa desistência?É provável que algumas pessoas tenham ficado desiludidas por o projecto não ter ido para a frente.E o senhor, não ficou?Fiquei muito. Mas ainda tenho esperanças que um dia uma câmara qualquer numa terra qualquer me ajude a financiar um projecto meu.Quer dizer que não é desta que arruma as botas?Não senhor, nem pensar. Não há duas sem três. Não houve aí alguma utopia da sua parte?É provável, mas um indivíduo tem sempre sonhos…É um sonhador?Não é ser um sonhador. Vivo também com a realidade. Quem não vive com a realidade são os indivíduos que mantêm projectos, que devem 100 mil contos e não fecham o clube. Esses é que são sonhadores. Eu sou realista. Era incapaz de uma situação dessas.Não perdeu dinheiro com essas experiências?Não. Não se pode perder dinheiro. Nem invisto nada no futebol porque não tenho dinheiro para isso. O futebol tem que se auto-financiar. Há locais com muita população, onde não há um projecto futebolístico e há pessoas interessadas. Eu com os conhecimentos que tenho de jogadores de futebol é muito fácil montar um projecto.E nunca ganhou dinheiro com essas transacções de jogadores?Acho que só anda no futebol para ganhar muito dinheiro quem nada entende de futebol. Porque quem é apaixonado pelo futebol a sério não o vê como um tesouro para poder enriquecer.

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