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“Comigo a cultura nunca será um parente pobre”

“Comigo a cultura nunca será um parente pobre”

Maria da Luz Rosinha na véspera da inauguração do museu do neo-realismo

A presidente da Câmara de Vila Franca de Xira fala dos investimentos feitos na cultura e na recuperação do património na véspera da inauguração do museu do neo-realismo pelo Presidente da República, que acontece dia 20 de Outubro, sábado, a partir das 15h30 e que conta também com a presença da Ministra da Cultura.

As visitas a Museus não estão no topo das prioridades dos portugueses. Como explica aos cidadãos de Vila Franca de Xira os investimentos feitos em Museus?Quando falamos em investimentos em museus estamos a falar de investimentos na área da cultura e do património. E estamos a falar também na preservação da história de um povo e de um município. Os museus permitem perpetuar, consoante a sua temática, aquilo que são histórias locais ou nacionais. Há tempos tivemos aqui no concelho uma exposição com um título fabuloso que resume bem o que estou a dizer. “De pedra e cal”. As nossas obras de pedra e cal falarão muito para além de nós. Não é de pedra e cal mas já está de pé e vai ser inaugurado dia 20 de Outubro, sábado, o museu do neo-realismo, para falar muito depois de nós.O museu do neo-realismo vai dar a conhecer um período da história de um país e não apenas da história do município, contado através de espólios e de exposições que vão muito para além das fronteiras do espaço onde se insere.Sente que muitas pessoas que aplaudem a construção do Museu do Neo-Realismo o fazem mais por bairrismo do que por genuíno interesse cultural?Temos que ver essa situação de uma forma natural. Vila Franca de Xira tem figuras proeminentes do neo-realismo. Este movimento, para além de ser um movimento cultural, é muito mais que isso. É constituído por um conjunto vasto de pessoas que integraram a resistência a um determinado regime político, contribuindo para a conquista da democracia no nosso país. É normal que alguns cidadãos se apropriem deste movimento e destas personalidades como coisa sua. Que sintam orgulho. Esse bairrismo de que fala tem aspectos positivos, se nós o soubermos dosear. Ou seja, há um momento para além do qual isto é nosso, não é meu. E é nosso no sentido lato. De um país. Da história do nosso país. Os afectos são sempre algo difícil de gerir mas também têm muito de bom. E nós vamos apanhar a parte boa, concerteza. Faz sentido medir a importância dos Museus pelo número de visitantes?Diria que não se mede a importância de um museu. Mede-se a importância de determinados acontecimentos que nele ocorrem. Há exposições cujo número elevado de visitantes não é directamente proporcional à sua importância enquanto veículo cultural mas à sua relação com o meio. Exposições de fotografias de pessoas ou de épocas, por exemplo. A relação que se estabelece com as pessoas através da história retratada é muito maior, tem outro público, do que a estabelecida através de uma exposição de pintura ou de artes plásticas. Nem sempre há uma relação directa entre o número de visitantes e a importância do que é exposto.O senso comum tem tendência a ver um museu como um lugar de coisas antigas e sem funcionalidade. Quais têm sido as estratégias utilizadas em Vila Franca de Xira para alterar essas perspectiva? Quais têm sido os resultados?Embora nem sempre exista uma relação directa entre o número de visitantes e a importância do que é exposto, é fundamental apostar na qualidade. Nós tivemos o ano passsado uma exposição comissariada pelo Rogério Ribeiro que teve milhares e milhares de visitantes. Foi uma exposição em que investimos fortemente em termos financeiros e qualitativos. Podemos mesmo dizer que foi uma exposição percursora do museu do neo-realismo. Ao escolhermos aquele comisssário fizemo-lo deliberadamente e isso proporcionou um balanço muito positivo. O mesmo acontece em outros museus. Eu refiro um museu pequenino a que chamamos núcleo, que é o Museu de Arte Sacra. Neste momento tem em exibição uma exposição fabulosa e isso tem-se traduzido num elevado número de visitantes. O museu do neo-realismo, não tenho dúvidas, vai ser um sucesso a todos os níveis. Há assim tanto interesse pelo neo-realismo?É verdade que os museus não estão na prioridade dos tempos livres dos portugueses e que são necessárias estratégias para atrair visitantes. No museu do neo-realismo vamos ter a cafetaria, por exemplo, que é uma tentativa clara de tornarmos o museu um espaço vivido. Vai ser possível marcar encontros para aquele espaço e dessa forma levar as pessoas a darem mais dois passos para verem as exposições e contactarem com um mundo que lhes passaria ao lado. E temos estabelecido alguns contactos, mesmo a nível internacional. Com a universidade de Montpellier, por exemplo, onde lecciona um professor natural do concelho. Este museu tem importância para além das fronteiras do concelho e mesmo do país.Grande parte da programação do Museu do Neo-Realismo assenta em debates e conferências que poderiam ocorrer em qualquer outro lugar. Há outras ideias?As pessoas que aqui trazemos são personalidades de relevo do panorama cultural nacional. Na programação definida até ao final do próximo ano quisemos juntar um conjunto de gente proeminente, num espaço que para nós é de grande importância. A seu tempo serão anunciadas outras iniciativas. Que apoios privados é que a câmara conseguiu para o museu?Conseguimos um importante apoio da Rede Eléctrica Nacional e outros com expressão menor. Espero que aqueles que, tendo sido solicitados, não…- eu diria de uma forma simpática - puderam responder afirmativamente, o possam fazer mais tarde porque nós vamos continuar a insistir. E como os apoios se traduzem de diversas formas, cabe aqui um agradecimento a todos os museus nacionais, da Rede Portuguesa de Museus que nos apoiaram. Tivemos também o apoio de colecções particulares e de fundações, para a exposição permanente. E vamos tê-lo também para a programação. Estes apoios foram fundamentais. Vão passar por aqui obras de colecções públicas e particulares. Se não houvesse esta colaboração e o reconhecimento do museu do neo-realismo isso não seria possível.É adepta da massificação e popularização da cultura ou considera que a existência de elites é benéfica ao desenvolvimento cultural? Defendo que todos os cidadãos devem ter acesso à cultura. Depois cada pessoa faz as suas escolhas. Nem toda a gente gosta de ouvir ópera e nem toda a gente gosta de ouvir folclore. Não é por acaso que escolho estas duas manifestações culturais. O folclore consegue subir, através de representações estilizadas, a um patamar superior de cultura e a ópera consegue chegar a públicos que não frequentam habitualmente os grandes concertos do género.Muitas vezes ouvimos os políticos, nomeadamente os autarcas, queixarem-se da falta de tempo para a família, amigos e lazer. No seu caso, quando tem tempo livre, vai a correr para algum museu?Essa pergunta não se insere nesta entrevista (risos). Às horas em que normalmente tenho algum tempo livre não há museus abertos que eu possa visitar. Mas estou muito atenta ao que se passa nos museus municipais. Sempre que saio do concelho, principalmente nas férias, aproveito para ver museus, em Portugal ou em qualquer outro país que visite. Gosto. Há uma ideia generalizada que os portugueses que viajam visitam os grandes museus do mundo mas que ficam com alergia a museus assim que regressam a Portugal. Partilha essa opinião? Acontece-lhe o mesmo? Isso não acontece comigo e é pena se acontece com algumas pessoas. Quando tenho oportunidade visito museus e exposições. Qual foi o último museu português que visitou sem ser no âmbito de funções oficiais?Fui ao museu da electricidade em Lisboa ver a exposição de fotojornalismo da World Press Photo.Que papel desempenham os Museus do concelho no conjunto da política cultural do município?A cultura e a recuperação patrimonial podem ser os parentes pobres de muitos orçamentos municipais mas isso não acontece, seguramente, em Vila Franca de Xira. Comigo a cultura nunca será um parente pobre. A par da saúde e de recuperação de espaços públicos é dos sectores para onde são canalizados mais meios. Sou Presidente da Câmara há dez anos. Quando fui eleita o museu municipal tinha cinquenta anos e nunca tinha tido uma sede. O museu do neo-realismo nem sonho era. A igreja do Mártir Santo estava extremamente degradada. Foi comigo que deixou de ser o local de velar os mortos. Recuperámos o edifício onde vai funcionar o núcleo museológico de Alverca e estamos a recuperar toda a rua para a tornar um espaço de usufruto dos cidadãos. O café central vai agora sofrer obras e vai ficar uma coisa magnífica. Dez anos. Eu por temperamento vivo numa angústia de fazer coisas. De responder às necessidades das pessoas. E de tornar o concelho mais atractivo. De todos os pontos de vista e cultural também. Por vezes olho para trás e já nem me consigo lembrar de tudo o que foi feito. Recuperámos o celeiro da patriarcal; a casa-museu Mário Coelho. No próximo ano fica concluído o Centro Cultural do Bom Sucesso. Um projecto completamente inovador, em termos de arquitectura e engenharia, porque tivemos que respeitar uma área de servidão militar e aeronáutica. Nem só de património e museus se faz a cultura no município. Essa questão da política cultural é muito vasta e muito discutível. Vai muito para além das acções que o município desenvolve. Depende também das acções que os diversos movimentos associativos e culturais desenvolvem e em que a câmara municipal é sempre parceira. As iniciativas culturais organizadas pela câmara municipal são destinadas à população local ou têm como objectivo atrair visitantes?Nunca construímos um determinado projecto cultural, objectivamente, para um público local. O nosso público-alvo é muito mais alargado. Isso reflecte-se também no número de convites que fazemos e que às vezes não têm outro objectivo que não seja o de dar a conhecer o que está a acontecer. É também uma forma de fazermos chegar informação a um conjunto de pessoas e instituições de grande importância no panorama cultural nacional que, no nosso entender, devem ter conhecimento do que se passa em Vila Franca de Xira.A proximidade de Lisboa é benéfica ou perniciosa em termos culturais?É importante sabermos marcar a diferença. Não podemos repetir coisas que aconteçam em Lisboa. E estamos em condições de o fazer. Não há esperas de toiros em Lisboa, por exemplo. As corridas na praça Palha Blanco têm características muito próprias. Temos o rio. Temos a primeira ponte que ligou as duas margens do rio. Temos o Museu do Neo-Realismo. Temos uma história diferente. A proximidade de Lisboa é muito importante se soubermos atrair visitantes. Afinal estamos inseridos na região mais populosa do país. Para além do passeio ribeirinho que está a ser feito e que ligará Alhandra a Vila Franca de Xira há outras iniciativas em preparação que potenciem a ligação do concelho ao Tejo?Estamos envolvidos num projecto arrojado. A candidatura do Tejo a Património da Humanidade. Independentemente do resultado que vier a ser obtido conseguirá centrar em Vila Franca de Xira muitas atenções nacionais e internacionais e promoverá muita discussão sobre o Tejo. É um projecto que engloba todos os concelhos ribeirinhos. Da nascente à foz. De Albarracim a Lisboa. Um projecto que fala dos povos que vivem à beira-rio e da importância económica e histórica do Tejo ao longo dos séculos. Participarmos activamente nesta candidatura é uma forma de mostrarmos a importância do rio para o nosso concelho.
“Comigo a cultura nunca será um parente pobre”

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