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A poesia do mestre estucador João Henriques

Aos 89 anos, autor do Entroncamento “atreveu-se” a publicar um livro de poemas

“Poesia de um Homem Simples” é o nome do livro agora publicado pelo idoso do Entroncamento

“Ao saberes com quem vives/Faz a tua apreciação/Elogia os bons feitores/Recomenda os que não o são”. Uma quadra simples, como o é o homem que aos 89 anos de idade decidiu ter chegado a altura de dar a conhecer publicamente os poemas, versos e quadras que foi escrevendo ao longo dos anos. Dos últimos anos, que antes o tempo só chegava para cumprir os compromissos profissionais. No sábado, o Centro Cultural do Entroncamento encheu-se para ver e ouvir o “mestre” João Henriques falar do seu livro, “Poesia de um homem simples”.A poesia de um homem simples, maravilhado pela inteligência e pela razão. Poemas de fé e de criação, que são verdadeiros louvores à vida, como disse na apresentação do livro o general Mascarenhas, responsável pelo seu prefácio. O livro, que o próprio autor considerou ser “um atrevimento” pôr a circular, foi “construído” com poemas feitos de gesso, cal, areia, água e cola, e passado a talocha, de baixo para cima, como mandam as boas práticas de estucador. E João Henriques foi um “mestre” do estuque, apesar de nunca ter passado da quarta classe, como gosta de dizer quem aos 13 anos percorria 15 quilómetros para ir dar serventia a pedreiros. “E no final da jorna ainda tinha tempo e disposição para tratar dos animais lá de casa – um bovino, dois burros, galinhas e coelhos”.Aos 15 anos iniciou-se na profissão de estucador e com humildade e astúcia soube conquistar a simpatia dos grandes artistas do estuque. Com um ano de profissão, mestre Benjamim, o seu patrão de Santarém, convidou-o para sócio mas não por muito tempo. Antes dos 18 anos já João Henriques trabalhava por sua conta e risco. Inúmeros edifícios públicos e privados, de Norte a Sul do país, têm a “mão” do estucador que, quando a concorrência no sector apertou, se virou para a construção. Como construtor trabalhou com 18 dos 21 municípios do distrito, construiu fábricas, quartéis e até as instalações do Campo de Tiro de Alcochete. Chegou a ter mais de cem funcionários a trabalhar com ele e orgulha-se de nunca nenhum ter ficado de relações cortadas consigo. Quando encerrou a actividade da sua empresa ofereceu um último “mimo” aos então 47 funcionários – proporcionou-lhes, a eles e às respectivas famílias, uma viagem à ilha da Madeira, pagando todas as despesas e ainda um “extra” para algumas compras. “Amo todos os que me servem/Também quem tenho servido/Para eles o meu afecto/Amo mui agradecido”.A apresentação do livro aconteceu num momento particularmente doloroso para João Henriques. A voz embarga-se quando fala da recente perda da esposa, companheira de 70 anos. Emociona-se, pede desculpa e tira os óculos, limpando as lágrimas. “70 anos!”, repete num grito lancinante. “Não considero este um acto festivo mas sim o findar de uma obra, cujas datas já marcadas e o fim a que se destinam as receitas que venham a ser angariadas fizeram-me não adiar o seu lançamento para uma data menos penosa”. O valor apurado com a venda dos livros – dez euros cada – será canalizado para uma instituição de solidariedade social. “Que o bom sol vos aqueça/Saboreando a sombra no Verão/Que Deus vos dê muita vida/E amor no coração”.

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