“Um arquitecto é como um cozinheiro”
Joaquim Graça Manuel já fez mais de três mil projectos mas continua a aprender todos os dias
O primeiro contacto com o cliente é para o conhecer enquanto pessoa, observar a sua vivência familiar, os seus gostos pessoais, o seu modo de vida. Só depois Joaquim Graça Manuel apresenta uma primeira proposta arquitectónica, onde tenta juntar de forma sábia os “ingredientes” dados pelo cliente.
Começou como desenhador projectista, já lá vão mais de 20 anos, mas a evolução do mercado fez com que sentisse necessidade de tirar o curso de arquitectura. Durante os quatro anos que durou a formação, Joaquim Graça Manuel deslocava-se a Lisboa depois de um dia de trabalho no escritório. Todos os dias. Uma situação só possível graças ao apoio total da esposa. “A minha mulher apoiou-me na minha decisão e ajudou-me imenso. Não são todas as que “aturavam” um marido que saía cedo e chegava todos os dias a casa depois da uma da manhã”.A licenciatura em arquitectura, depois do curso intermédio de técnico de arquitectura e engenharia e ainda a formação em geologia, deu-lhe a bagagem necessária para se aventurar em desafios maiores mas também mais estimulantes. Como o projecto que tem actualmente em mãos para o governo do Mali. Concorreu e ganhou o concurso internacional lançado pelo Estado africano para elaborar o projecto de arquitectura de um loteamento de 550 habitações sociais. “São casas com uma forte vertente de pré-fabricação pesada, com muito concreto”, diz o arquitecto de Tomar, adiantando que esta é uma das suas melhores experiências porque está a trabalhar para um povo com uma vivência completamente antagónica da portuguesa.“Um arquitecto tenta visualizar e preservar a arquitectura, contornando obstáculos arquitectónicos e definindo uma rota coerente na evolução de qualquer projecto”. Ou, como costuma dizer na gíria, ser arquitecto é como ser cozinheiro. “O cliente dá-nos os ingredientes e nós misturamo-los e confeccionamos a comida. O segredo está em fazer a mistura certa”, refere.Joaquim Graça Manuel já tem mais de três mil projectos feitos, mas diz, com modéstia, que apesar da experiência adquirida todos os dias continua a aprender com os clientes. “Ninguém é igual e cada cliente tem um sentido estético próprio”. Apesar de alguns dos seus clientes, nomeadamente os particulares, levarem muitas vezes já um esboço do que pretendem, o arquitecto prefere sempre partir do zero, “com a mente limpa”. E não são raras as vezes que o tal esboço do cliente fica completamente esquecido. “O meu primeiro contacto com o cliente é para o conhecer enquanto pessoa, observar a sua vivência familiar, os seus gostos pessoais, o seu modo de vida. Só depois apresento uma primeira proposta”.Afirmando que hoje em dia se faz muito boa arquitectura, Joaquim Graça Manuel diz que cada vez há um maior respeito mútuo entre o desenhador e o arquitecto, na concepção de um projecto. “Longe vai o tempo em que um desenhador fazia todo o projecto de arquitectura porque as pessoas achavam que os serviços de um arquitecto saíam muito caros”. O arquitecto tenta desmistificar esse conceito, afirmando que a sua função não é encarecer um projecto mas dinamizá-lo. “Os custos são sempre contabilizados em função da disponibilidade financeira do cliente”.A relação com os empreiteiros é que já lhe tem dado alguns amargos de boca. “Às vezes sentimo-nos traídos com adulterações que são feitas aos nossos projectos sem nos darem qualquer conhecimento”, refere fazendo no entanto uma mea culpa – “é imprescindível fazer um acompanhamento quase diário de uma obra para que isso não possa acontecer. Quando não se tem tempo o melhor é passar a direcção de obra a outra pessoa, como eu faço cada vez mais”.Joaquim Graça Manuel tem actualmente projectos de Norte a Sul do país e também no estrangeiro. Além do Mali, há o seu cunho em obras feitas em Espanha, França e até na Ucrânia. “Às vezes nem sei como os clientes chegam até mim”, confessa, com orgulho. Talvez porque reconhecem a sua dedicação, perfeccionismo e criatividade. “Não tenho medo do trabalho”, diz que nunca sai do escritório antes das nove da noite, três horas depois dos seus quatro colaboradores terem dado o trabalho diário por encerrado. É à noite que mais gosta de preparar trabalhos e tem dias que fica madrugada dentro de volta de um projecto. “É quando vem a inspiração, talvez dada por Gualdim Pais, não sei…”, diz, enquanto olha para o exterior das janelas do escritório, com vista privilegiada para o castelo e Convento de Cristo.
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