Cábula
A cena ocorreu há cerca de quinze anos.A utilização de telemóveis ainda não se tinha generalizado.No entanto, dois estudantes da Escola Superior Agrária de Santarém decidiram usar das tecnologias mais avançadas à época, para facilitar a realização do ponto por parte de um deles.Era dia de exame de Matemática.Um estudante andava atrapalhado com a matéria. Pensou que, com a ajuda de uma amiga, tudo se resolveria.A jovem conseguiu obter um enunciado do teste. Ela era boa aluna e meteu-se dentro de um “jeep”, estacionado perto da sala onde decorria a prova. Ia resolvendo as equações, respondia às perguntas e comunicava o resultado ao seu amigo, via rádio.O cábula tinha em seu poder um minúsculo receptor, através do qual escutava a resolução correcta.O esquema foi detectado e terminou mal, para ambos.Ele apanhou com dois anos de suspensão, durante os quais não pôde frequentar o estabelecimento de ensino superior. Se tivesse dado certo, ele seria o beneficiário da fraude académica.Importa dignificar o ensino superior. Há que salvaguardar a credibilidade dos exames escolares. Detectada uma intrujice, o castigo não pode ser brando.A rapariga também foi punida com severidade.Era aluna da mesma Escola Superior. Tinha colaborado activamente no golpe. Embora não se justificasse mão igualmente pesada, nada justificava excessiva benevolência.Portanto, a sanção foi de um ano de suspensão, para a moça que tinha permanecido no veículo, comunicando através das ondas hertzianas.A estudante não se conformou com tão pesada punição. Levou o caso até ao Ministro da Educação. Mas Couto dos Santos manteve a decisão: um ano de suspensão.Todo o particular que se sinta prejudicado por um acto praticado por um governante tem o direito de impugnar essa decisão, perante os tribunais administrativos.Foi o que a aluna decidiu fazer. Recorreu para o tribunal. Todavia, também o juiz concordou com o ministro. A sanção foi mantida.Como todos sabemos, nem sempre é assim.É habitual os juízes modificarem as decisões das autoridades administrativas.Tal sucedia mesmo em tempos bem diferentes dos actuais.Em 1948, Norton de Matos apresentou-se como candidato da oposição à Presidência da República.No Algarve, duas jovens filiadas na Mocidade Portuguesa Feminina manifestaram o seu apoio ao antigo militar, por contraposição a Carmona, que contava com apoio oficial.Em consequência desta sua atitude, foram expulsas da congregação que integravam.O tribunal deu-lhes razão. Reintegrou-as na MPF.Este último episódio vem relatado num interessante livro de Irene Flunser Pimentel, intitulado precisamente “Mocidade Portuguesa Feminina”.* Juiz (hjfraguas@hotmail.com)
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