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O menino que veio do mundo rural com o sonho de ser construtor

Ainda se recorda de como era nos seus tempos de infância a freguesia da Parreira (Chamusca) onde nasceu?As estradas eram de terra batida. Não existia electricidade, água canalizada nem esgotos. Era um local muito pequeno. Hoje as condições já são melhores, mas ainda falta o saneamento básico. Não deve ter sido uma infância fácil…Mesmo depois de ter saído para estudar em Santarém, após terminar a instrução primária, com dez anos, todas as férias eram passadas a ajudar os meus pais na loja e na agricultura. Não eram umas férias tão simpáticas como se pode imaginar. Mas até foi bom porque constituíram ensinamentos que ainda hoje são úteis. Essa vivência foi fundamental para ter feito o percurso que fez e tornar-se um grande empresário?Talvez tenha tido alguma importância. Porque via o mundo do lado social mais baixo e contemplava a possibilidade de eventualmente poder participar num mundo que não era aquele e que poderia ser melhor. Isso terá tido algum efeito na minha determinação de poder fazer algo. Em criança já sabia o que queria ser?Até ao fim da instrução primária o mundo era muito limitado para mim. A possibilidade de conhecer o que estava para além daquele espaço onde vivia era muito reduzida. Por isso aceitaria qualquer caminho que me indicassem. Por vontade do meu pai as coisas evoluíram e abandonei aquele meio com a possibilidade de poder sonhar mais. Mas desde cedo comecei a sentir que poderia vir a ser no futuro um empresário e a área que mais me agradava era a construção civil. Sentia que tinha alguma afinidade com esse meio e que tinha condições para alcançar esse mundo de uma forma menos penosa. Foi a ida para Santarém que marcou a viragem?Com 11 anos fui para Santarém, para um meio urbano, e senti o impacto de entrar num meio citadino e exigente.Como é que sentiu o afastamento da família?De início foi penoso, muito complicado. Estava em casa de pessoas conhecidas do meu pai, na zona por detrás do antigo hospital, e só ia visitar a família nas férias. O voltar à aldeia tinha de bom a aproximação à família mas, conhecendo já outra realidade, via a pasmaceira própria da vivência local como sendo uma coisa pouco interessante.Tinha o sonho de ser engenheiro mas no início dos estudos as coisas não correram bem…Na altura desconhecia as duas vias de ensino que existiam, a via liceal e a da escola técnica. Os meus pais, pessoas de fraca formação, também não me podiam ajudar muito. Acabei por ir para a escola técnica. Foi um erro porque os meus objectivos eram maiores do que os que eram criados a quem ingressava neste tipo de escolas que se destinavam mais a operários especializados. Apercebi-me logo no primeiro ano que havia uma limitação grande e tive que inverter a situação para poder ingressar no ensino superior. Com mais ou menos esforço consegui ir para Lisboa estudar e acabei o curso no Instituto Superior Técnico aos 26 anos. Acabou o curso com uma idade mais avançada do que é habitual. Isso teve alguma coisa a ver com a guerra colonial?Tive que interromper os estudos para ir para a guerra em Angola, onde estive dois anos e meio. Não considero que tenha sido um tempo completamente perdido porque conheci uma realidade diferente que me interessou muito. Após cumprir o serviço militar regressei a Portugal e passado pouco tempo deu-se a revolução do 25 de Abril e a independência das colónias ultramarinas. A Parreira era uma freguesia muito marcada pelos desaparecidos em combate. Isso não o fez ter medo de ir para a guerra?Toda a gente tinha a expectativa de que aquela obrigação de ir combater pudesse terminar a qualquer momento, mas chegou a minha vez e a guerra ainda não tinha terminado. A minha consciência política não era tão vincada como é hoje e se calhar não era para a maior parte dos portugueses. Podia ter tomado a mesma atitude que alguns dos meus amigos e sair do país para não fazer a tropa mas achei que essa penalização seria maior que ir para a guerra.Ainda tem alguma ligação à terra onde nasceu?Vou lá praticamente todas as semanas visitar o meu pai que tem 83 anos e com quem gosto de conversar. Nota-se que está desenraizado.Sempre me senti desenraizado. Acabo por ter uma afinidade com o meio mas não tenho uma ligação muito forte com as pessoas além da família mais próxima.Tem sido chamado a colaborar na melhoria das condições de vida daquela terra?Têm-me pedido e tenho colaborado quando é possível. Há oito ou nove anos propus-me oferecer um lar para a terceira idade, mas as forças vivas locais não manifestaram grande interesse, o que ainda não entendi muito bem, e desperdiçaram essa oportunidade. Mais tarde pediram-me apoio para a construção de um centro de dia para idosos e ajudei financeiramente.

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