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Os segredos das cavacas de Lucinda Dias

Há 50 anos que a doceira se dedica a confeccionar as chamadas “fofas de Mação”

A atenção às previsões meteorológicas é constante, já que é necessário tempo soalheiro para a cobertura dos doces à base de açúcar poder secar.

Desde moça que Lucinda Dias se ajeita para a doçaria. Mas são os seus truques que tornam as chamadas ‘Fofas de Mação’ nas únicas da região. A doceira já perdeu conta aos anos que faz as chamadas cavacas. Desde nova que se lembra de as fabricar, em sua casa, mas terá sido num café onde trabalhou que a sua patroa a terá posto de volta das chamadas ‘Fofas de Mação’, um nome de que não se sabe bem a origem: “Chamavam-lhes assim lá no café onde trabalhava, talvez por a massa de dentro ser fofa, mas para mim não deixam de ser cavacas” explica. “Uma vida inteira” envolta de perfeccionismo e dedicação tornaram-na num dos ícones da tradição de Mação. “Sempre gostei muito de fazer doces. Ainda cheguei a vender para fora bolos de aniversário, de baptizado, outros tipos de doces”, conta-nos, embora nos segrede que cozinhar já não seja o seu forte. “Não gosto de fazer as coisas por fazer. Chateava-me a minha patroa estar junto de mim quando barrava as cavacas” explicando que sempre teve vaidade naquilo que fazia, aprimorando a cada gesto a sua arte. “Um doce tipicamente do Verão” é assim que o define por este depender dos dias soalheiros para a secagem. Um processo que faz com que as tradicionais cavacas nunca fiquem prontas no próprio dia. Dois dias é o tempo necessário para a confecção do produto, que implica a cozedura num forno a lenha e depois o barramento e secagem até ao dia seguinte. Muito trabalho e uma boa dose de truques tornam as cavacas de Lucinda Dias numa referência da vila, que todo o ano recebe encomendas um pouco de todo o país. “A procura é muito mais alta que a oferta. Todos os dias faço de quinze a vinte dúzias. No Inverno tenho de estar atenta ao tempo porque em dias chuvosos não as consigo secar” confessa. António João, o marido, acompanha a esposa na sua tarefa diária. As pesquisas na Internet sobre as condições meteorológicas ao longo da semana são uma ajuda preciosa, bem como as etiquetas para colocar nas embalagens com o nome e brasão da vila de Mação.As encomendas surgem de todo o país. Lucinda Dias recorda inclusive a história de uma pastelaria de Lisboa que quis conceber um novo produto para vender no seu estabelecimento através da sua receita. “Eu ensinei tudo, mas esta receita é muito melindrosa, a mais pequena coisa estraga a cavaca”, explica com um sorriso de quem é apologista de que ‘todos nascemos com um dom’ e é preciso ter-se jeito. “O senhor queria conceber uma espécie de ‘beijinhos’ com a massa das cavacas e prometeu-me depois vir mostrar-me. Nunca apareceu”. Remata com alguma ironia, dizendo que é mais difícil e trabalhoso do que parece. Prova disso é de que é a única a fazer as cavacas ainda à moda antiga “porque os mais novos já não estão para perder tanto tempo de volta das cavacas”, adianta. Questionada sobre o que torna as suas cavacas num produto autêntico e genuíno, Lucinda Dias diz existirem uma série de condicionantes que vão desde a paciência e gosto pelo que se faz e ainda amassar a massa com as mãos. “As coisas feitas pelos métodos tradicionais deixam um sabor diferente. Não uso máquinas para bater a massa. Eu própria a amasso continuadamente durante meia hora. E também procuro sempre utilizar produtos caseiros. Cheguei a ir pelas aldeias comprar ovos, azeite, aguardente, etc…”, conta-nos com alguma presunção. “Nunca experimentei outras receitas. Sei que a minha é boa e que as pessoas gabam-nas”, diz com orgulho.Apesar da trabalheira que dá, Lucinda Alves diz que não se cansa de fazer o doce. Em tempos recorda ter de fazer o caminho a pé, mais de um quilómetro, até a casa da sua irmã para cozer as cavacas no seu forno a lenha. Hoje, o marido leva-a de carro facilitando bem mais as coisas e poupando de alguma forma tempo e esforço à mestre. No seu tempo de menina, as pessoas utilizavam a caruma num cesto grande e colocavam as cavacas em cima barradas para secarem ao sol. O marido de Lucinda Dias adaptou para o efeito uma estrutura em madeira com uma rede larga esticada. “A ideia é que a cavaca assente o menos possível a sua base para que a cobertura não fique agarrada tirando a graça à cavaca”, explica-nos António João.Lucinda Dias, proeminente defensora dos sabores tradicionais, não escapou contudo às novas aspirações do mercado. “Temos também o produto numa versão mais light. Eu chamo-lhe as cavacas sarapintadas” referindo-se aos pedidos para pessoas que não podem dar-se ao luxo de abusar do açúcar de forma a não colocar a sua saúde e bem-estar em causa.

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