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Uma boa lei para subverter

Tenho três amigos que fumam desalmadamente. Quando estou com eles fico com dor de cabeça. Aquela morte lenta em que os vejo afundarem-se deixa-me pensativo. São três homens cultos, bem informados e trabalhadores incansáveis. Um é abstémio. Os outros bebem uma garrafa de uísque por semana. Os três fumam mais num dia que eu durante um mês. A sofreguidão com que os vejo a puxar dos cigarros só a conheço altas horas da noite quando fico a trabalhar. Acontece-me meia dúzia de vezes por mês. No outro dia acordo ressacado. Se o trabalho foi inglório fico doente todo o dia. Se deu frutos sinto-me tonto, como se andasse nas nuvens.O meu vício vem da infância. Mas sempre mantive o hábito controlado. Tive que adaptar o vício à largueza que me era dada pelo meu pai ao lado de quem trabalhei dos 11 aos 20 anos. Mesmo depois da maioridade nunca puxei de um cigarro à sua frente. E consegui manter o vício controlado até aos dias de hoje. Mas considero-me tão viciado fumando um pacote de tabaco por semana como os meus amigos que fumam um maço enquanto o diabo esfrega um olho.Nunca puxei de um cigarro num restaurante. Não fumo à mesa na minha casa ou na casa dos outros. E sou incapaz de andar na rua a fumar. Excepto se estiver de férias. Nessas alturas até me apetece fumar na cama antes de adormecer. E se estiver em grupo fumo nem que seja nas urgências de um hospital. Em rebanho salto o valado como a mais comum das ovelhas.Estou a ler um livro de Sándor Márai, cuja primeira versão data de 1941, em que o personagem principal aborda o vício de fumar de uma maneira interessante: “Não hei-de renunciar a este veneno amargo porque não vale a pena. Dizes que não é assim tão difícil desacostumarmo-nos?... Claro, é lá agora difícil. Eu também consegui, e não foi só uma vez, enquanto valeu a pena. O mal é que pensava todo o dia no cigarro que não acendera (...). Temos de nos render, face à nossa fraqueza, e, se precisamos de uma droga, convirá pagar o preço (...). Dizem-me: Não és um herói. E eu respondo: É bem possível que não seja um herói, mas também não sou um cobarde, porque tenho a coragem de viver as minhas paixões”.Não acho que o vício de fumar seja uma paixão. Quanto muito é um pequeno amor. Fumar um cigarro ao ritmo de quem respira, como diz um personagem do último livro de Francisco Moita Flores, é um suicídio que a nova lei do tabaco vem ajudar a controlar. E bem. Embora seja uma lei para qualquer um de nós subverter quando nos der na real gana. JAE

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