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“A música tem o poder de curar”

“A música tem o poder de curar”

Doug Macleod, o cantor com botas à cowboy, o último dos “Blues men”

Palito na boca, botas de cowboy que batem no chão ao ritmo da música e ecoam pela sala, cabelo branco e um sotaque carregado da Carolina do Norte. É assim Doug Macleod, o último dos “Blues men”. Antes do concerto em Azambuja o cantor partilhou histórias de vida com O MIRANTE numa conversa descontraída.

Vai actuar em Azambuja. Como é que surgiu esta oportunidade?Estou numa tournée de sete semanas pela Europa. Começo em Portugal e depois vou para a Holanda, Sérvia, Finlândia, Bélgica, Reino Unido, Irlanda... até regressar a casa.O que é que sabe sobre Portugal?Que o peixe é excelente! É isso que sei! Nunca o tinha provado cozinhado como vocês fazem aqui. Põe-no no grelhador, depois põem azeite, vinagre, um bocado de limão e fica delicioso. Adoro! Vou cozinhá-lo assim quando voltar para casa.E além do peixe?As zonas rurais são muito bonitas. Não conheço muito bem esta região mas estou curioso. Já sei onde fica também a zona do país onde se faz o bom vinho. Talvez para a próxima lá vá. Um dia pegou numa guitarra e começou a tocar. Foi assim que surgiu esta paixão?Para ser muito franco eu tinha um problema na fala quando era mais novo. Tocava baixo, mas não conseguia conhecer rapariga nenhuma. Olhavam para mim do estilo “ah, és baixista”… e depois iam ter com o guitarrista com quem trabalhava, que era um dos rapazes mais feios que possa imaginar e tinha cinco ou seis mulheres atrás dele. Virei-me para o Eugene Grey e disse-lhe: “Se aquele tipo consegue ter cinco mulheres vou pegar numa guitarra e fazer o mesmo”. Peguei na guitarra e a voz saiu. Consegui cantar e acabei por conseguir falar.A música acabou por ajudá-lo, então…Sim, quase resolveu o meu problema. É engraçado. Até há três anos tinha um programa de rádio em Los Angeles que durou quatro anos e que era líder de audiências. É incrível o que a música pode fazer por ti. Pode curar-te.Com quem aprendeu a tocar?Tive alguns mentores. O primeiro foi um cantor de blues de Virgínia de quem nunca ninguém tinha ouvido. Eu conhecia-o por Ernest Banks, mas acho que não era esse o nome dele. Ele era do Mississípi e conhecemo-nos em Virgínia. Acho que ele deve ter feito mal a alguém, assassinado ou espancado alguém ou qualquer coisa do género, e mudou-se para a Virgínia, e foi onde o conheci. O meu segundo mentor foi George “Harmonica” Smith, que conheci em Los Angeles.Os problemas que enfrentou ao longo da vida, como a deficiência na fala ou os abusos que sofreu em criança, ajudaram-no a tornar-se um músico melhor?Acho que sim. Depois de tudo isso me ter acontecido tornei-me muito violento na minha juventude. Arrependo-me muito. Conheci uma psicóloga que se tornou minha amiga. Ela disse-me uma vez “quero que saibas que de um grande monte de estrume pode nascer uma rosa”. Isso mudou a minha vida. A partir daí pude escrever, tocar canções e fazer coisas pelas pessoas. Lembro-me de uma jovem que um dia veio ter comigo e me disse “obrigada por ter escrito essa canção”. Era uma canção chamada “Come to Fine” e era sobre sermos capazes de ultrapassar situações de abuso. O mais importante é pararmos de sentir pena de nós próprios. E seguirmos em frente. O estilo “Blues” é necessariamente sinónimo de música triste?Não. Acho que foi isso que me atraiu tanto no género. Foi num clube em St. Louis que ouvi Blues pela primeira vez. Tinha 16 anos. Foi no início dos anos 60, ou seja, não muito tempo depois do fim da escravatura. Havia muito racismo e muito preconceito. E vi aquelas pessoas a aproveitarem a vida, a comida, a fazerem amor, a aproveitarem as coisas simples da vida. Tinha um peso tão grande nos ombros e pensei 'como é que eu posso ter este peso nos ombros quando estas pessoas já passaram por tanta coisa?'. Então comecei a passar tempo com eles. Aprendi a viver a minha vida com eles.O processo de escrever uma música é doloroso?É uma coisa natural. Há alturas em que me sento para escrever e durante um mês ou dois não sai nada. E de repente componho cinco canções num dia. Não sou uma dessas pessoas que conseguem sentar-se às dez da manhã e dizer “agora vou escrever”. Como vê a indústria musical nos dias de hoje?Está um bocado confusa. Tenho alguma esperança nos mais jovens, como Jack Johnson. Sinto a verdadeira música a voltar. Há muitos músicos que conseguem tocar muitas notas mas o importante é tocar as notas que interessam. Uma vez um homem disse-me “nunca toques uma nota em que não acredites”. Olhou-me assim pelo canto do olho e perguntou-me “consegues fazer isso, rapaz?”. Eu disse-lhe que não conseguia. Ele disse-me “então ainda não és um homem do blues”. Senti-me mal, mas aprendi a lição. Gosto de música tocada pelo coração.
“A música tem o poder de curar”

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