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“Vender uma albarda por ano já é muito”

Histórias do último albardeiro do concelho de Mação

Ganhou a vida a fazer albardas, burnis e outros apetrechos com que se aparelhavam burros e mulas. O progresso levou-lhe a clientela e os seus artigos são hoje procurados sobretudo como peças de artesanato.

Isidro Esteves tem 64 anos e é conhecido mais por aquilo que sempre fez toda a vida do que pelo próprio nome. Aprendeu com 14 anos a fazer albardas, burnis e cabrestos para as mulas e burros, numa época em que não tinha mãos a medir para fazer face às encomendas. Eram raras as casas que não tivessem um macho, mula ou burro. A concorrência dos cavalos dos motores, trazida pelo progresso, foi fatal.Nasceu no Carvoeiro, Mação, tendo se mudado para a terra da sua esposa, Castelo, outra aldeia do mesmo concelho, onde ainda hoje se dedica à profissão. Meio século a exercer uma arte que, segundo diz, não tem continuadores. “Só conheci o meu mestre e o mestre dele. Aqui no concelho sou o único”, salienta com algum pesar de não ter a quem ensinar. No meio rural em que cresceu, o único meio de transporte e de trabalho nos campos agrícolas era garantido por carroças ou arados de tracção animal, sendo necessários apetrechos que Isidro Esteves fabrica para os animais. A albarda, colocada no dorso do animal, é feita com pano que é enchido com palha de forma a que não fique nem muito rígido nem muito maleável. A intenção é que o apetrecho não magoe o animal e seja dentro do possível confortável para o transporte dos utilizadores. “Há 50 anos chegava a fazer seis albardas por dia com a ajuda da minha mulher, quando o tempo médio para fazer uma seria de um dia. Trabalhava-se muitas horas por dia para se conseguir sustentar os filhos e as despesas”, conta-nos Isidro Esteves. A esposa cozia o pano a jeito que depois era enchido com palha, debulhada e batida à mão para não ficar muito mole. Só depois de bem apertada a palha, e a albarda tomar o formato desejado, é que era cozida pele de carneiro curtida, com acabamentos que lhe conferem a durabilidade de “três vidas” ironiza o criador. Hoje os materiais também já não são os mesmos. Na sua opinião, são “bem piores”. A importância que dão à sua profissão também sofreu alterações. As poucas pessoas que procuram o seu material, por norma agricultores da região que ainda não trocaram o animal pelo tractor, limitam-se a comprar a albarda ou burnil que o mestre tem na sua oficina. Quando iniciou a profissão, era por medida que se faziam as albardas. Isidro Esteves ia fazê-las a casa das pessoas. Hoje, para vender alguma coisa, teve de readaptar os seus produtos aos tempos modernos e até “puxar pela imaginação”. Percorre sempre que pode as feiras da região, mas admite que não é para vender albardas. Vende de tudo um pouco, desde coleiras para cães, instrumentos agrícolas, guizos, chocalhos, correias, ratoeiras e até armadilhas para javalis. O Alentejo continua a ser onde vende mais. Na sua aldeia não há uma única pessoa que tenha um burro, cavalo ou macho. Ele próprio nunca teve, fazendo-se transportar no seu automóvel. Há quem o procure não pela necessidade mas pela arte. Na parede das instalações onde trabalha tem um diploma de Prémio Nacional de Artesanato emoldurado, datado de 1992. “Uns senhores da Sertã vieram aqui buscar-me um burnil para expor em Coimbra, numa feira de artesanato, e ainda recebi 150 contos” diz Isidro Esteves. Ao que parece, o burnil foi depois levado para a FIL para alguma outra feira de género, tendo depois sido novamente entregue ao dono. “Ganhei dinheiro com o prémio e depois ainda o vendi”, ri-se, revelando que recebe muitas cartas de propostas de exposições culturais mas que não é isso que lhe dá o rendimento. Os clientes, esses, “estão cada vez piores”, desabafa. “Para comprar uma coisa, estão que tempos de volta do material. Os antigos compravam porque precisavam, não era porque era bonito”.

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