Chuva afasta versos da rua no dia mundial da poesia
Poetas reuniram-se em tertúlia entre portas em Vila Franca de Xira
O encontro de grupos de poetas do concelho de Vila Franca de Xira, com homenagem a Arquimedes Silva Santos, assinalou o Dia Mundial da Poesia.
A forte chuva que caiu em Vila Franca de Xira, no dia 19 de Março, afastou os poemas da rua mas não impediu que os poetas do concelho se encontrassem dentro de portas. Depois de anulado o “mercado da poesia” (venda de livros com desconto) e a leitura de poesia na rua, marcados para a manhã e tarde desse dia, no Largo da Câmara, as atenções concentraram-se no primeiro encontro de poetas do concelho, às 21h00, na Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira. O encontro, primeiro institucional promovido pela autarquia, reuniu grupos de poesia de Vila Franca, Alverca e Póvoa de Santa Iria, e celebrou o dia Mundial da Poesia com a presença e homenagem ao poeta Arquimedes Silva Santos.“O último dos resistentes neo-realistas”, como o considerou Conceição Santos, vereadora da cultura da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, na abertura da cerimónia, começou a escrever poesia aos 12 anos mas, com 86, ainda se questiona se realmente nasceu com esse dom. “Consideremos que poetas somos todos nós, desde que nascemos e sobretudo na infância, mas há muitas interpretações do que pode ser poesia”, afirmou. Arquimedes prefere a definição de Jorge de Sena, que a considerava como uma “especialização do espírito”. “Para se ser um grande poeta tem que haver um aperfeiçoamento constante, quase chegando à profissionalização”, complementou. Para melhor explicar a forma como o seu espírito se especializou, Arquimedes Silva Santos, nascido em 1921 na Póvoa de Santa Iria, percorreu com humildade, durante mais de uma hora, as memórias da sua infância, muito ligadas ao concelho de Vila Franca de Xira, não esquecendo os edifícios vilafranquenses arquitectados pelo pai e a influência que Alves Redol assumiu na criação de um verdadeiro interesse de ordem cultural no concelho. “Ainda estamos na adolescência”, brincou o poeta, que exerceu medicina – “a outra via de ir pelo ser humano” -, quando foi interrompido para que se passasse à leitura de poemas seus e dos representantes dos vários grupos de poetas do concelho presentes na sala. A noite terminou com a apresentação de um espectáculo de poesia intitulado “A ver o mar”, interpretado pela Andante Associação Artística, de Alcochete.Grupos de poesiarecolhem inspiração na regiãoPresentes em força no primeiro encontro que lhes foi destinado, os elementos dos grupos de poesia espalhados pelo concelho aproveitaram o evento para mostrarem o seu trabalho, numa rápida sessão de leitura de poemas. Muita da força que os faz escrever é recolhida na região, não o negam. Ana Maria Gomes, de 66 anos, faz parte do grupo de poetas de Vila Franca de Xira e bebe inspiração nas “pessoas e festas da terra” mas sobretudo no rio que atravessa o concelho. “O Tejo foi, desde o brinquedo que eu não tive, ao primeiro amigo, ao conselheiro. É o melhor mar porque era onde eu tomava banho quando era miúda”, confessa. Adriano Gabriel, 63 anos, de Alverca, diz que “o poeta canta sempre a sua terra, a sua tradição” e realça a importância do poema nas festas populares “ao fazer as letras para as marchas que vão para a rua”, por exemplo. “A poesia vai traduzir-se nos arcos e em tudo. Através da poesia, os cenógrafos e os coreógrafos desenvolvem o seu trabalho mediante o que o poeta escreve”, afirma.Mas nem só do exterior nasce o poema. Ana Maria Gomes, que escreve poesia desde que aprendeu a escrever, até escreve mais sobre o seu mundo interior e os poemas não compreendidos pelos leitores são os que lhe dão mais gozo. “Sentia que a escrita era a maneira que eu tinha de falar com alguém que não me ralhava”, explica. Essa paixão tem sido aplicada no fortalecimento do grupo de poesia de Vila Franca, a contar actualmente com 16 participantes mas aberto a mais pessoas, que se reúne no Ateneu Artístico Vilafranquense todas as quartas, às 20h30. Em Alverca, o grupo está ainda numa fase embrionária, contando com quatro pessoas, mas Adriano Gabriel acredita que este encontro possa “ter dado um impulso muito grande à poesia do concelho”. Para além destes dois núcleos, concelho conta ainda com os grupos de poetas da Póvoa de Santa Iria e de Vialonga.Acerca da difícil penetração da poesia nos hábitos de leitura dos portugueses, Adriano Gabriel aponta os elevados índices de analfabetismo como causa provável. Mas deixa um rastilho de mudança: “Mesmo o indivíduo analfabeto mas que sabe ler alguma coisa, a tendência dele é logo para o verso”. “Mas hoje já se ensina poesia nos jardins-de-infância”, contrapõe. Ana Maria Gomes acha que “a escola não desenvolve a sensibilidade do aluno, nem lhe pergunta o que ele quer” mas não tem problemas em dizer poesia para três pessoas em vez de ter uma sala cheia e é persistente. “Amanhã se calhar estão cinco, depois estão dez e daí a um ano se calhar o número é muito maior”, afirma.
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