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“Sou dos poucos indivíduos que torcem pelo touro”

“Sou dos poucos indivíduos que torcem pelo touro”

Nilton, o humorista que gosta de actuar ao vivo e que vê na escrita a base de tudo

Nunca entrou numa Praça de Touros porque não compactua com os maus-tratos ao animal. Nasceu em Angola, viveu na zona centro de Portugal, no Algarve e por agora está em Lisboa. Em aberto deixou a hipótese de se asilar em Vila Franca, assim que seja expulso da capital. O sentido de humor dessa hipótese é o mesmo que, no sábado, 5 de Abril, levou às lágrimas de tanto gargalhar uma plateia de jovens, no Festival da Juventude, na Póvoa de Santa Iria. Esclarecido, arrojado, controverso. Nilton em discurso directo.

Por força da sua profissão viaja muito. Sente diferenças culturais entre as várias regiões?Obviamente que se sente. Há temas e faixas etárias em que isso se nota claramente. Tenho que ter cuidado com quem falo. Mais do que os temas até são as referências em relação ao meio envolvente. Por exemplo, se em Bragança não houver um shopping, não posso estar a fazer piadas sobre idas ao shopping porque as pessoas não se identificam com isso. Se estiver a falar com a malta mais velha tenho que dosear temas, sobre os computadores, por exemplo.O processo de construção dos textos tem isso em conta?Eu escrevo à ganância mas quando chego aos sítios tenho que ter o cuidado de ver a plateia. Ver do que é que eles são capazes de se rir, o que também se vai percebendo ao longo do espectáculo. Há diferenças de reacções de umas piadas para as outras, mas Portugal é Portugal. E eu considero-me um humorista mundano, falo das coisas do dia-a-dia, faço comédia de costumes, falo das relações entre homem e mulher e de comportamentos que todos temos enquanto portugueses e enquanto seres humanos. Tenho sempre que me adaptar mas sem, de maneira alguma, condicionar o meu tipo de humor. Tem alguma ligação com a região do Ribatejo?O Ribatejo não. Conheci duas ribatejanas há uns anos, mas não posso falar disso porque estão casadas (risos). Tenho obviamente simpatia, porque já fui bem recebido em muitas localidades por onde passei. Portugal é um país tão pequeno que acabo por ter ligação com tudo. Costumo dizer – isto soa a poeta mas não é – que sou de todo o lado e não sou de lado nenhum. Nasci em Angola, depois cresci na zona centro, depois vivi no Algarve, agora em Lisboa. Portanto, de seis em seis meses sou expulso e um dia posso vir parar aqui a Vila Franca. Se me aceitarem, peço asilo político por cá.Já que falamos em Vila Franca, uma zona toureira por excelência, qual a sua opinião sobre a tourada?É péssima. Sou dos poucos indivíduos que torcem pelo touro. Gosto de ver tourada mas estou sempre a torcer para que o touro dê uma marrada no indivíduo. Não partilho nem pactuo com aquela lógica do “ah e se o animal não existisse”. Até evito comer carne. Não sou pró-activo nessas lógicas porque não acredito em causas perdidas. Acho que é uma estupidez, nos dias de hoje, continuarmos a maltratar o animal dessa forma. Não há necessidade. Imaginemos que agora havia um ser superior que achava que era giro tourear humanos e de repente andavam aí a espetar-nos farpas nas costas… não posso compactuar com isso.Não é apreciador de uma boa lide a cavalo?Eu gosto do cavalo enquanto animal e tenho um enorme respeito, mas acho que deviam brincar com outra coisa. Mas é uma questão cultural, a partir do momento em que se liberaliza a questão de Barrancos, torna-se numa causa perdida porque o próprio Governo compactua com isso. Apesar disso estive há muito pouco tempo em casa do Rui Salvador e fui muito bem recebido. Vi os touros, vi como eles crescem e tudo, andei no cavalo em que ele fez de toureiro durante nove anos. Respeito mas não compactuo.Já assistiu a alguma corrida ao vivo?Não. Estive apenas naquelas largadas em Pamplona e aquelas dos Açores e achei piada, porque apenas dois mortos é muito pouco.Mudando de ares: Vai actuar no Brasil, em Outubro. Sente que o português de Portugal chega facilmente aos brasileiros ou estamos mesmo a precisar de um acordo ortográfico?Em Outubro vou actuar em quatro cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Curitiba. Ainda não actuei lá, veio um brasileiro actuar cá a convite meu e agora vou eu lá responder. Ele veio cá dizer mal dos portugueses, eu vou lá dizer mal dos brasileiros. Mas acho que o português que se fala por cá não lhes chega. Às vezes as pessoas não percebem que o brasileiro é já uma língua. Não existe português do Brasil, existe brasileiro. Falamos para eles e eles não nos entendem e há uma data de palavras que temos claramente que alterar. É uma língua que derivou da nossa e agora se perdeu. Nós temos muita aceitação e não temos essa noção porque convivemos com o brasileiro todos os dias, quando ligamos para a Telepizza ou vemos a telenovela. Escreveu “O Pai Natal Não Existe”. O livro é uma extensão da sua carreira humorística ou é uma incursão séria na área literária?Há uma corrente filosófica que defende que toda a matéria existe. Portanto aí caía por terra a minha teoria. Obviamente que ali era uma provocação à questão do Natal, mas o pai natal não existe no sentido de que nada cai do céu. Ou trabalhamos ou as coisas não existem.Mas a pergunta era se o livro foi escrito ainda pelo Nilton enquanto humorista ou pelo Nilton que se quer afirmar como escritor?Eu gostava de viver numa dualidade entre o Nilton humorista que faz espectáculos, para o Bono [vocalista dos U2] até, se tivesse condições para isso, e o Nilton pura e simplesmente escritor. Infelizmente vivemos numa sociedade em que tens que fazer mais coisas, tens que aparecer, fazer televisão, rádio, para alimentares a tua própria máquina. Mas não me importava de estar só a percorrer o país e a escrever, que é o que eu mais gosto de fazer. Aliás, a minha lógica nasce da escrita. Tudo nasce da escrita, até uma cadeira, se a quisermos fazer temos que a escrever antes. E um dos problemas de Portugal é não perceber isso. Enquanto não apostarmos numa lógica de dar valor à criatividade e potenciarmos isso, acho que este país não vai a lado nenhum. Ou melhor, vai a caminho de ser espanhol.Continua a escrever?Sempre, e este ano gostava de lançar outro livro. Tem um clube de fãs na Internet, gere o projecto Nilton Tv, esta noite teve uma reacção calorosa do público… Este formato do stand up está para ficar?Eu acho que sim. Primeiro porque vende e as pessoas gostam de humor, seja comigo ou com outro qualquer. A dificuldade em qualquer profissão é a continuidade, principalmente nesta nossa de artista. Temos que manter a chama acesa. Tenho a sorte de ter conquistado um público que se tem mantido fiel. O humor há-de prevalecer e o resto só depende do trabalho e de alguma sorte, mas sobretudo de trabalho. Só está na minha mão eu conseguir renovar-me e continuar ou não a ter público.Que anda a fazer o Nilton agora?A lógica Nilton Tv [ndr: projecto on-line no seu site na Internet], que é uma das sementes que eu acho que vai dar frutos. Há uns estudos que dizem que daqui a dez anos 20 por cento das pessoas que vêem televisão hoje em dia vão fazê-lo de outra forma e eu acredito que será por aí. Neste momento faço isso, escrevo um livro como ghost writter para uma editora, vou fazendo espectáculos e escrevo o meu próximo livro. Mas os espectáculos são sempre o primordial. Se tiver espectáculos não faço mais nada e nos tempos mortos estou sempre a escrever.
“Sou dos poucos indivíduos que torcem pelo touro”

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