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Em Almeirim ainda se fazem as tradicionais botas ribatejanas à mão

Em Almeirim ainda se fazem as tradicionais botas ribatejanas à mão

António Fernandes é sapateiro numa fábrica de calçado artesanal

Nos anos 80, as botas que outrora se calçavam para se trabalhar ou montar a cavalo eram auge da moda entre as senhoras.

António Fernandes manuseia com destreza o canivete na sua mão direita que vai aparando a sola de uma bota. Faz aquilo há 46 anos. Na prateleira atrás de si estão dezenas de moldes de calçado. Com os óculos na ponta do nariz e sem desviar o olhar do que está a fazer, vai comentando uma situação que se terá passado na terra onde vive ao colega da frente, que remenda um calçado com a ajuda da sovela. O colega, de menos falas, limita-se a escutar. Em ambos os punhos enverga umas protecções de cabedal e com minuciosidade cose a sola “à vira”. Fazem aquilo há uma vida. Numa das travessas de Almeirim ainda se fazem sapatos e botas à mão e por medida, coisa rara na região e em real decadência. Que o diga Simão Monsanto, o proprietário daquela casa de calçado artesanal. “Aprendi o ofício tinha doze anos, com o mestre Rogério Soares que era daqui de Almeirim. Depois abri mais tarde sociedade com o Sr. Vitorino, que já está reformado, e hoje aqui continuo a fazer calçado, com a minha esposa, um filho meu e mais três empregados”, explica. Uma profissão que nos dias que correm só pega moda nos pés dos mais novos, porque na realidade não há juventude por esse país fora que queira coser sapatos. E sem seguidores, o final da actividade anuncia-se. “Não é fácil fazer um par de botas. Isto requer muitos anos de aprendizagem. É um ofício que demora a aprender-se”, conta-nos Simão Monsanto enquanto vai atendendo a clientela que ainda vai aparecendo para pôr umas solas nalgum sapato. O calçado ali confeccionado é o mesmo de há 50 anos. A tradicional bota usada pelos campinos na agricultura, o botim, o sapato usado pelos forcados com os tradicionais atacadores de cor vermelha ou amarela e com a inscrição das iniciais do forcado na pala, e a bota de montar. Consoante a utilidade do calçado, os modelos variam essencialmente no salto. Existem modelos de salto à espanhola e o salto prateleira (aquele que está preparado para sustentar as esporas). Fazer um par de botas demora em média um dia. Começa-se por desenhar os moldes (floretas) na pele de vitelo curtida, verga-se a pele numa máquina e depois leva-se à juntadeira, a pessoa que faz as costuras com a ajuda de uma máquina de costura própria. Os passos seguintes na confecção do calçado passam pelas mãos dos sapateiros da oficina que cosem a sola à bota e colocam as fivelas e atacadores conforme o modelo que têm em mãos, palmilham e ponteiam. Os resultados são mais de uma década de durabilidade de um calçado totalmente manufacturado por aqueles sapateiros. “Estas botas são caras mas duram muito tempo. Temos botas que vão aos 350 euros mas as pessoas sabem que levam bom material”, reforça Simão Monsanto, enquanto nos mostra um desses modelos.A tradição na zona deste calçado, devido à agricultura e também à arte taurina praticada um pouco por todo o Ribatejo, faz com que ainda haja clientela que dê valor aos materiais genuínos com que ali se trabalha. “Com estas botas não se transpira no Verão dos pés. Os materiais são macios e ajustam-se aos pés”, refere o artesão. Numa das prateleiras está amontoada uma pilha de enormes livros com capas do mesmo material do calçado ali produzido. A curiosidade leva-nos a perguntar o que era aquilo e folheando duas ou três páginas foi clara a sua utilidade. É naquelas páginas que Simão Monsanto desenha os pés dos clientes que ali vão encomendar o seu par de botas ou sapatos, ficando registado para além do nome, o tamanho do pé, dedos, peito do pé, calcanhar, tornozelo e grossura da perna. Enquanto ouvíamos uma história sobre a encomenda feita por uma actriz americana de umas botas com marca de origem da cidade de Almeirim, ouvem-se picardias do senhor António com os seus colegas, animando o ambiente e arrancando sorrisos a quem ali passa. Às vezes só para dizer um “bom dia” ou “boa tarde” aos mestres do calçado que marca bem as raízes da cultura ribatejana.
Em Almeirim ainda se fazem as tradicionais botas ribatejanas à mão

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