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31 anos do jornal o Mirante

A gente nunca sabe para o que está guardado

Desde os dez anos que fumo o meu cigarro a horas certas (agora fumo cachimbo). Embora seja um homem de excessos (no trabalho, por exemplo), sempre controlei o vicio do tabaco e nunca experimentei outras drogas mesmo as mais leves como é o caso da maconha. Droga, droga só o cinema, a paixão pelos livros e o apelo da escrita. Pouco mais. São os livros que me fazem sentar à mesa de alguns amigos pela noite dentro. Noites bem regadas a vinho tinto, sem fumo, excepto quando amanhece e alguns não resistem ao apelo da maconha. Por essas horas eu já estou a caminho de casa. Não tenho nada contra. Conheço muitas histórias e de algumas gostava de ter sido também protagonista. O que sinto é que se fumasse uma obra de arte daquelas enlouquecia de vez, eu que só com um copo a mais fico mais alegre que a plateia de um circo. Aquele adubo criativo não é para a minha seara. Prefiro vinho tinto baptizado que o sumo do fumo maldito. A combustão das minhas ideias vive de outros mecanismos. Com um bagulho enorme entre os dedos só me apanham se for no papel de personagem de um filme. Faço todas as loucuras mas não fumo drogas que me derrubem e transformem num homem que verdadeiramente não sou. Ressacas só de cerveja ou vinho tinto. E poucas vezes porque um homem com o espírito toldado pelo álcool fica pior que uma barata tonta.O Alexandre é poeta e pintor, tem 74 anos e vive em Bruxelas há quatro décadas. Há cerca de dois anos a sua jovem companheira suicidou-se no rio. O Alexandre pensou fazer o mesmo mas depois de reflectir achou que a morte podia esperar. Resolveu no entanto mergulhar numa espécie de loucura e mandou que um carro do município lhe levasse de casa toda a mobília. Só ficou a cama. Um dia, que anunciou a todos os amigos, despiu-se, abriu a porta de casa e mostrou o seu corpo como obra de arte.Há três semanas esteve em Santarém para almoçar comigo. Dias antes tinha avisado da sua chegada enviando de Bruxelas pelo correio fotocópia do bilhete de avião com as datas da chegada e do regresso. O Alexandre já não fuma nem bebe álcool. Mas é um poeta maluco em língua portuguesa, embora com muitos erros ortográficos, que eu gosto de receber de vez em quando em minha casa pela manhã e ir levar ao comboio ao fim do dia. JAE

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