uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Uma vida inteira a produzir queijos de cabra

Uma vida inteira a produzir queijos de cabra

Aos 82 anos Lúcia Casola ainda ordenha a cabra que tem no palheiro

Há mais de sete décadas que Lúcia Casola produz queijos para ajudar ao sustento da casa. Os métodos, artesanais, são os mesmos de sempre.

Apesar da força nas mãos já não ser a mesma de quando era jovem, Lúcia Dias Casola, actualmente com 82 anos, não deixa o ofício. Desde os nove anos que faz queijo de cabra em sua casa, em Queixoperra, Mação. Uma arte que aprendera com a mãe e que transportou até aos dias de hoje. Os métodos que utiliza no processo de fabrico da especialidade são os mesmos de há décadas e não pretende mudá-los. O sabor, garante-nos, é o mesmo de sempre. É logo pela manhã que inicia a lida com a ida ao palheiro das cabras para lhes tirar o leite. Um processo moroso e que requer alguma sensibilidade do ordenhador para com o animal. Uma única cabra pode dar mais de dois litros de leite. “Depende se elas comem bem ou não”. Depois de se ordenharem todas as cabras, os litros de leite são filtrados através de um pano branco que irá reter pêlos ou lixos. Coloca-se uma pitada de coalho, o pó que irá fermentar o leite, e só à tarde está pronto a ser escorrido para se repartir pelos achinchos (forma de metal com pequenos orifícios que se pode ir apertando) até ganharem consistência. Em ambos os lados do queijo (parte superior e base) é colocado sal. O líquido que se acumula em volta do leite já fermentado, e a que se chama “almesse”, era noutros tempos aproveitado para se comer misturado com pão. Hoje, dá-o ao cão que tem à sua porta e o bicho não diz que não. Uma tarefa que faz de olhos fechados e que netos e bisnetos lhe agradecem. “A minha Gabriela, de Lisboa, gosta muito do meu queijo e sempre que os pais dela vêm cá à terra aos fins-de-semana, levam-lhe o queijinho para ela comer” conta-nos a avó com orgulho e satisfação. O rebanho, tal como a quantidade de queijos que hoje faz, tem vindo a diminuir. As bocas lá em casa já não são as de outros tempos em que tinha de alimentar os seus seis filhos e marido. Mesmo assim Lúcia Casola revela-nos que ainda há quem procure os saborosos queijos. “Antigamente vinha muita gente dos arredores comprar-me queijos. Sabiam que eu os fazia e vinham-me bater à porta. Também era a maneira de fazermos algum dinheiro naquele tempo. Hoje só para algum vizinho ou familiar é que ainda se arranja alguma coisa”, desvenda. Eram tempos difíceis. Modos de vida e de cultura. Dos cereais ao pão, tudo se fazia em casa. “Lembro-me dos meus filhos irem para a escola da parte da manhã e à tarde abriam o rebanho para o meio do mato e dos campos”, recorda. “Hoje há muito dinheiro e podem comprar o que se come. São tempos muito diferentes. Vamos lá ver se duram para sempre”, deixa o aviso. A tábua onde seca os queijos depois de os retirar de dentro do achincho, ainda é a mesma de quando se mudou para aquela casa por alturas do seu casamento. Presa por uns cordéis quase junto ao tecto do alpendre, Lúcia Casola diz que “ali é que eles secam bem”. A secagem do produto depende do estado do tempo. Pode levar de 8 a 12 dias, ou mais, a permanecerem naquele local. Chama-se a “cura” do queijo. “Eu sempre gostei de os meter no azeite para ficarem bem picantes depois de os tirar da tábua. Quanto mais tempo estiverem submersos no azeite, mais picantes ficam”, explica. Lúcia Casola queixa-se das mãos. Diz que já não tem força e lhe custa a mexer os dedos. As mais de sete décadas de volta do ofício parecem ter deixado as suas mazelas. As filhas, cada uma com a sua vida e as suas profissões, não seguiram as pegadas da mãe. À porta não têm um palheiro, muito menos um rebanho de cabras. Os queijos ainda não faltam porque Lúcia Casola ainda os faz mas com o olhar distante a “senhora dos queijos” sabe que as “forças vão faltando”.
Uma vida inteira a produzir queijos de cabra

Mais Notícias

    A carregar...