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“O poder económico tem mais força que o poder político”

Jamila Madeira, a eurodeputada nómada que juntou Almeirim às cidades onde vive

Aos dez anos já sabia a diferença entre os ideais dos partidos de esquerda e direita. O pai ainda tentou dissuadi-la, mas o apelo foi mais forte. Jamila Madeira, 32 anos, economista, é um dos 24 eleitos portugueses no parlamento europeu. Lamenta que os seus concidadãos se alheiam das causas que lhes deviam tocar. Vive dividida entre Bruxelas, Faro, Lisboa e Almeirim, cidade onde reside o seu namorado, o vereador Pedro Ribeiro.

Há muito tempo que as pessoas ouvem falar na Jamila Madeira que desde cedo se bateu por causas políticas. Na quarta classe já escrevia discursos?(Risos) Nada que se pareça. Aproximei-me da vida política directamente a trabalhar no combate político na escola. Foi mais ao nível do secundário. A primeira acção política clara – embora tivesse tido em momentos anteriores a clarividência do que era esquerda e direita – surgiram no combate Mário Soares/ Freitas do Amaral na campanha das presidenciais de 1986. Foi muito intensa. Era impossível não a sentir. Aí não era actor político, mas mero espectador. Talvez o primeiro combate tenha sido com a PGA (Prova Geral de Acesso). Muitos estudantes que pelo país se levantaram sentiram que era um profunda injustiça porque a escola estava a exigir algo que não dava. Tinha consciência da visibilidade que tinha?A minha preocupação nunca foi ter visibilidade. Fui fazendo tudo naturalmente. Sentia que quando as causas cumpriam a minha necessidade de mobilização para defender injustiças, lutar a favor ou contra algo, tentava fazer tudo ao meu alcance para as defender. Às vezes corro muito e depois não dá em nada. Outras vezes corro muito e dá em muita coisa. O seu pai é um socialista algarvio. Teve influência no seu percurso?É obvio que o facto de existir vida política em casa nos fez estar mais alerta. O facto do meu pai estar muito tempo fora de casa também me levava a mim e à minha irmã a tentar perceber o que de tão importante se passava lá fora. Nunca foi de todo influência do meu pai. Pelo contrário. Sempre achou que o nosso percurso devia ser diferente. Tentou dissuadi-la?Sempre, um pouco… Hoje é um pai orgulhoso. Até determinada altura investi 100 por cento na minha carreira profissional. E fazia uma perninha na carreira política. O que os pais esperam dos filhos é que sigam a carreira sólida e garantida. A vida política é algo absolutamente instável e com muitos altos e baixos, apesar de mobilizadora. Houve alguma coisa que a tivesse marcado em termos sociais?Vivia na cidade, mas estou muito ligada a uma aldeia onde nós tínhamos a oportunidade de ser livres e perceber onde estavam as dificuldades, onde estavam as pessoas afortunadas e conviver com todos. O facto de ter sido educada numa escola pública e de ter colegas de um bairro social e de um bairro de lata também ajudou muito. Sentimos a necessidade que eles têm que os protejamos. Desde cedo para mim isso foi instintivo. Não é comum encontrar nessa faixa etária jovens interessados. A juventude é a fase da nossa vida em que somos altruístas e disponíveis. Não temos nada a perder e achamos que somos donos do mundo. Isso mobiliza-nos. Vi muitos jovens na manifestação conta a guerra do Iraque pelas ruas. Acho que muitas vezes os jovens precisam de estímulos.Hoje já não acredita que é possível mudar o mundo?Eu acredito (risos), mas assumo que na minha geração já nem toda a gente sente isso. Por isso mesmo estou na vida política e não em qualquer coisa mais estável e garantida. Acho que o meu contributo pode fazer a diferença. Não se decepcionou ainda com a máquina?Todos os dias nos decepcionamos, mas todos os dias vamos à luta. Das coisas mais pequenas às maiores. Desde o departamento que não funciona porque está fechado a hora imprópria até coisas mais complexas. Ou a crise alimentar. Tenho um pouco a sensação que a vida, o mundo, é uma roda dentada. E cada um de nós, se empenhar, faz andar um bocadinho essa roda. Alcançou o poder de estar no parlamento. Mas não se sente por vezes impotente. Em relação à crise alimentar de que tanto se fala. Por não se conseguir adiantar muito...Acho que temos esse poder, mas temos muito poder económico a condicionar o poder político. E quando digo condicionar, não tem necessariamente a ver como pressão em termos de lobby. Tem a ver que em muitos casos eles têm mais poder que os políticos. O poder económico tem mais força que o poder político?Em muitos casos. Se falarmos em países individuais normalmente têm. Se pensarmos em países do terceiro mundo e em vias de desenvolvimento o poder financeiro e económico consegue quase do dia para a noite liquidar uma pequena economia. É preciso criar regras. Estávamos a trabalhar nisso quando esta crise do “sub-prime” nos Estados Unidos redireccionou os fundos financeiros e está a produzir um movimento razoavelmente assustador. É possível mudar o estado das coisas?Acredito no Estado providência e que a política serve para pôr os travões onde eles são precisos dentro da liberdade de cada um. Na democracia a nossa liberdade acaba onde começa a liberdade dos outros. Quando esta máquina de produção de riqueza especulativa começa a interferir nos direitos, liberdades e garantias de outros temos que a travar.Chegou a ter visibilidade, mas agora no parlamento desapareceu um pouco. Fruto do alheamento das pessoas em relação à instituição?As instituições europeias têm um distanciamento razoável em relação aos seus cidadãos. Não é compreensível. O parlamento europeu é uma casa completamente aberta com grau de visibilidade total. Os canais estão lá, mas são usados em fim de linha. Quando há uma decisão finalíssima. Os processos são diferentes...Os processos europeus não funcionam como na Assembleia da República. No parlamento europeu passam seis meses até à primeira apreciação. Todas as reuniões são interpretadas e todos os documentos traduzidos, mas é democraticamente importante porque permite o acesso a todos – são 500 milhões de cidadãos. O parlamento europeu pronuncia-se em primeira leitura e há uma opinião do conselho. Se tudo correr bem já passaram dois anos. Depois há a transposição para a leis nacionais. As pessoas só participam no fim para dizer que está mal. E nós perguntámos tantas vezes... Tem noção de que as pessoas não sabem o que se passa no parlamento. Costumo dizer que a democracia é feita de informação. Está disponível, mas não cai do céu aos trambolhões. Falhámos neste processo de educação para a cidadania. Achámos que a democracia se estruturava por si, mas a democracia precisa de cidadãos que a percebam.

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