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Carlos Pires assoma à velha porta de madeira

Carlos Pires assoma à velha porta de madeira e através dos óculos graduados olha o sol abrasador de mais uma tarde de Verão. Àquela hora o movimento é pouco na rua principal de Montalvo (Constância) e o taberneiro volta para o fresco da habitação. Os clientes virão mais pela fresca, diz enquanto assume o seu lugar atrás do velho balcão de pedra mármore em tons de rosa. Atrás de si, nas antigas prateleiras de madeira pintadas de um tom vermelho sangue há pouca coisa exposta – meia dúzia de garrafas de vinho tinto de diversa proveniência, copos coloridos onde não faltam os símbolos do Benfica e do Sporting, dois bonecos de barro pintados, uma caixa de pastilhas elásticas Gorila. O amarelo das espigas de milho, penduradas em profusão, sobressai no tom escuro da divisão, assim como as folhas de papel com dizeres populares. “Freguês educado não cospe no chão, não pede fiado, não diz palavrão”.Um relógio redondo pendurado numa das prateleiras marca a hora: 14h30. “Está tudo a descansar, a esconder-se do sol”, diz Carlos Pires que aos 57 anos não conhece outra vida. Herdou o negócio da mãe, que por sua vez o tinha herdado do seu avô. A Casa Pires, como toda a gente a conhece na aldeia, tem 90 anos de actividade e pouco mudou desde a inauguração. O chão continua a ser de cimento, já gasto em alguns locais pela passagem do tempo, e as paredes foram pintadas do mesmo tom das prateleiras. Um velho banco de madeira corrido, encostado a uma delas, é o único apoio para os clientes a quem depois de umas selhas de tinto as pernas já não obedecem. As casas de banho – “uma para os homens outra para as mulheres” – são novidade. Foram feitas há apenas quatro anos, por imposição legal.A máquina de café também apareceu mais tarde. Não que os habituais clientes lhe dêem muito uso. Quem ali entra vai à procura de outro líquido, vendido à selha ou ao copo de três. “Aqui bebe-se mais à selha”, garante o taberneiro, adiantando que a cerveja também sai bem. Principalmente em dias de calor como aquele e acompanhada dos indispensáveis tremoços. Há um saco deles, aberto, numa ponta do balcão. Na Casa Pires não há pipos de madeira nem depósitos de cimento e os próprios garrafões de vinho foram substituídos pelas embalagens de cartão e alumínio. Modernices. Há um desses pacotes por baixo das prateleiras, proveniente da Adega Cooperativa de Alcanhões. Em cima um funil e uma selha de alumínio fazem recordar os velhos tempos.Carlos Pires divide o tempo entre a taberna e a mercearia, ou o que resta dela. Paredes-meias com a casa do vinho é do mesmo tempo desta e em tudo idêntica. As prateleiras da mesma cor, quase vazias, o balcão corrido. No chão duas ou três caixas com algumas frutas e mais adiante sacos de rações empilhados. O tecto, também em madeira, está coberto de camarões, que antigamente seguravam os tachos e as panelas de reluzente alumínio. “Isto vai chegando para mim, não pago renda. Enquanto puder vou continuando”, admite Carlos Pires, o taberneiro de Montalvo. Margarida Cabeleira

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