“Se há um ano dissesse que ia fazer um transístor de papel chamavam-me maluca”
O que é isso do transístor em papel que ajudou a produzir?Não é mais do que, no fundo, conseguirmos dar uma aplicação ao papel em termos de electrónica. O papel é um material isolante do ponto de vista eléctrico. O transístor tem vários componentes, vários materiais no seu fabrico, e um desses materiais tem que ser um isolante. Então lembrámo-nos de substituir o isolante tradicional do transístor por papel.Que aplicações pode ter?Basicamente na electrónica descartável. Conseguirmos fazer electrónica em papel pode ter uma série de aplicações que neste momento ainda não sabemos. Porque isto é uma nova área. Mas desde cartões a etiquetas inteligentes, como aquelas que se põem na roupa e que até têm uns furos que por vezes estragam a roupa… Também já me falaram da possibilidade das notas terem lá impresso um circuito contra a falsificação. Quando começaram a trabalhar nesse projecto?No transístor, em Dezembro passado. Já trabalhávamos com o papel há algum tempo. O material semi-condutor por excelência da electrónica é o silício. Aqui começámos a utilizar outros materiais além do silício. Como o óxido de zinco, que faz parte da composição de protectores solares, por exemplo. Usamos esses materiais como semi-condutores. E daí a electrónica transparente. São filmes muito fininhos aplicáveis em suportes como vidro, polímero e papel. No caso do papel, é usado como suporte físico e componente integrante do próprio transístor, pois funciona como material electrónico. Coisa que até aqui ninguém tinha feito em termos mundiais. O que sentiu quando chegaram ao fim dessa investigação?Ficámos muito contentes. Não estávamos à espera. Sabíamos que o trabalho era importante, mas não esperávamos que tivesse este mediatismo todo. Aqui na universidade achamos que tudo o que fazemos é muito bom. Mas isso nem sempre é muito bom lá fora. Sente-se uma espécie de estrela da ciência?Se calhar, neste momento sim... Em blogues já foi comparada a Cristiano Ronaldo.Também não é tanto assim (risos)…Na mesma altura da notícia do transístor de papel ganhou um prémio internacional.Sim. O prémio tem a ver com a electrónica transparente, uma investigação que já faço há cerca de cinco anos. O transístor de papel é uma consequência. Mas é uma coisa pequenina que surgiu disso. Nem nós estávamos à espera do impacto que teve a nível mundial. Depois sai o prémio mas são coisas diferentes. Por coincidência calhou na mesma altura.Foi contemplada com 2,25 milhões de euros. É muito dinheiro.Efectivamente é. Esse dinheiro é para um projecto a cinco anos, que vai ter início em Janeiro de 2009. O meu salário vai ser pago com essa verba. E posso disponibilizar mais tempo à investigação porque posso pagar a quem dê as minhas aulas. Isso está previsto no projecto. Vou contratar pessoas a cinco anos, o que também dá estabilidade. E vamos também comprar um equipamento que ainda não existe em Portugal.De que se trata?É um microscópio muito poderoso, com um acessório que lhe permite trabalhar na nanotecnologia. Vamos continuar a trabalhar nesta área da electrónica transparente, na área do papel. Mas se calhar com mais força, dada a importância que isto está a ter a nível mundial. Queremos explorar a área do papel.Ao concorrerem a esse prémio estavam também a testar o vosso trabalho.Sou por natureza muito teimosa e competitiva. Sou muito persistente, vou à luta. Se há um ano dissesse que ia fazer um transístor em papel chamavam-me maluca. Gosto de experimentar e ter a prova.Tem espírito de inventora?Acho que sim. Claramente. Este prémio que ganhei avaliou o projecto mas também o meu percurso científico. Para concorrer havia mínimos, como nos Jogos Olímpicos. Sabia que podia concorrer, mas não me passava pela cabeça ganhar. A ideia tinha que ser perfeitamente inovadora e foi isso que a distinguiu.É importante para o nosso país ser pioneiro numa área da alta tecnologia.Sim. E pode atrair empresas ou criar novas empresas nesta área.Para produzir em série esse tipo de aplicações?Exactamente. Abriu champanhe quando soube que tinha ganho esse prémio?Não foi uma garrafa de champanhe mas foi de vinho tinto. Até mais do que uma. Comemorámos, fizemos um almoço com o grupo e festejámos.
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