O barbeiro que veio de Trás-os-Montes à procura de uma ida melhor
António Ferreira ainda tem muitos clientes em Vila Franca, onde se incluem várias senhoras
Ao barbeiro não incomoda a concorrência. O dinheiro que ganha é suficiente para viver e diz, em jeito de brincadeira, que já não se pode cansar muito.
Sentado na cadeira antiga de pé alto estofada a verde, António Carvalho conversa com um cliente de longa data que passou pela Barbearia Sevilha, na rua Miguel Bombarda, em Vila Franca de Xira, para cumprimentar o amigo. Naquela manhã já tinham passado por ali dois clientes. Encontramos o barbeiro numa pausa antes de almoço. Aos 75 anos, António Carvalho ainda não pensa em reformar-se. É barbeiro desde os 15 anos e pretende continuar a trabalhar até ter forças.António Carvalho nasceu em Alfândega da Fé, distrito de Bragança, onde viveu até aos 15 anos. O barbeiro conta que na sua terra toda a gente acabava por ter que trabalhar na agricultura. E António não queria esse destino. Nem ele nem a sua mãe. Decidiu aprender a arte de barbeiro. “Naquela altura aprendíamos a ser barbeiros ou sapateiros. Eram as únicas profissões. A alternativa era trabalhar na terra. Como não queria ser agricultor e gostava mais de estar em pé do que sentado optei por ser barbeiro”, brinca.Cedo percebeu que não conseguia evoluir na arte de barbeiro se não saísse da terra que o viu crescer, uma vez que lá só podia exercer a profissão de barbeiro aos fins-de-semana. Quando o pai faleceu, aos 15 anos, veio para Lisboa com uma tia que vivia na capital. Começou a trabalhar como barbeiro, que era o que desejava. Quando foi chamado para a inspecção militar inscreveu-se na Marinha portuguesa. Passadas umas semanas requisitaram os seus serviços de barbeiro, que assegurou durante três anos. Gostou da experiência mas lamenta não ter viajado tanto quanto gostaria. “Fui só à Madeira e Espanha”, conta, acrescentando ainda que o antigo Presidente da República portuguesa, almirante Américo Tomás, foi seu cliente assíduo enquanto esteve na Marinha.António Carvalho orgulha-se de, durante mais de meio século a trabalhar nessa profissão, ter sido ele próprio quem sempre afiou as suas tesouras e navalhas. Os seus instrumentos de trabalho. “Nunca nenhum cliente meu, alguma vez, saiu daqui com um corte de navalha ou uma tesourada mal dada”, afiança. Entretanto travou conhecimento com o antigo dono da barbearia Sevilha, onde começou a trabalhar aos sábados. Ajudava o proprietário com os clientes. Um ano depois tomou a barbearia de trespasse. Já lá vão 55 anos. António Carvalho decidiu manter o nome da barbearia. Mas conta a origem do seu nome. “O antigo dono tinha a mania que era espanhol apesar de ser oriundo de Setúbal. Por isso, decidiu dar um nome à barbearia que estivesse relacionado com o país irmão”, confidencia.Ao contrário do que se possa pensar, o actual proprietário da Barbearia Sevilha afirma que esta não é uma profissão em vias de extinção. Apenas mudou de nome. “Agora chamam-se cabeleireiros”, diz. Segundo explicou a O MIRANTE, ao transmontano não incomoda a concorrência. O dinheiro que ganha é suficiente para viver e diz, em jeito de brincadeira, que já não se pode cansar muito.António Carvalho garante que ainda tem vários clientes fiéis embora não consiga precisar quantos aparecem por dia. E nem todos são homens. “Tenho cerca de três dezenas de clientes senhoras. Não me faz confusão nenhuma. Desde que seja para cortar o cabelo direito sem cortes artísticos faço-o sem problemas”, garante. Mas de uma coisa tem a certeza: hoje em dia existem muitos cabeleireiros mas são raros aqueles que ainda fazem a barba aos clientes. António afirma mesmo que, além dele, existem apenas mais dois barbeiros em Vila Franca que ainda prestam, esse serviço.Na vitrina da barbearia, ao lado da porta de entrada, estão expostos vários livros antigos. Romances, banda desenhada, acção, policiais, entre outros. Tudo em segunda mão. A ideia surgiu, há muitos anos, de um cliente amigo que possuía uma livraria em Lisboa. Na altura foi um sucesso mas agora já ninguém compra. António Carvalho tem uma explicação para a falta de procura. “As pessoas deixaram de ler. Têm os computadores e os filmes e preferem ver tudo na televisão. Dá menos trabalho. Antigamente compravam tudo. Os emigrantes chegavam a levar dez euros em livros para lerem durante o ano em que estavam fora de Portugal. Eram outros tempos”, conclui.
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