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O comunista que gostava de ser presidente da Câmara de Alpiarça

O comunista que gostava de ser presidente da Câmara de Alpiarça

Mário Pereira, vereador da CDU, está disponível para tentar derrubar socialistas

Mário Pereira, 39 anos, é vereador da Câmara de Alpiarça pela CDU desde 2005, altura em que tentou pela primeira vez derrotar o actual presidente socialista Joaquim Rosa do Céu. O autarca e professor de História em Moimenta da Beira confessa-se uma pessoa algo tímida mas diz que não baixa os braços na crítica à política que está a ser traçada para o concelho. É apontado como o candidato à câmara nas próximas autárquicas, mas para já Mário Pereira diz que essa questão ainda não está decidida apesar de estar disponível para ser presidente do município.

Desde que se candidatou à câmara em 2005 o que é que mudou em Alpiarça?Não mudou quase nada. Pelo menos para melhor. Houve uma estagnação acentuada que se traduz em problemas graves, alguns que se mantêm e outros que se acentuaram.Que problemas?Falta de perspectiva dos jovens em arranjar emprego e de uma qualidade de vida que lhes permita continuar a viver em Alpiarça. Depois surgiram problemas a que não estávamos habituados, como as questões ambientais. Há maus cheiros, poluição acentuada da Vala de Alpiarça com origem na zona industrial. Mau funcionamento das estações de tratamento de águas. Verifica-se também uma degradação do ambiente social da vila. Há crispação entre as pessoas, fruto da gestão socialista na câmara. Tem receio em falar com algumas pessoas?Não tenho, mas sei que há quem que não se sente bem a abordar alguns assuntos com algumas pessoas. Há um certo controlo da vida social que se traduz num clima intimidatório.A estagnação do concelho já se falava no tempo em que a CDU era poder.Falava-se por parte de quem tinha intenção de substituir a CDU na gestão autárquica. A CDU foi a força política que desde o 25 de Abril teve um papel fundamental no lançamento das linhas que depois foram seguidas para o desenvolvimento do concelho. Construímos as infra-estruturas básicas para a população, dinamizámos a cultura e o turismo. Os socialistas não trouxeram qualquer inovação?O PS teve oportunidade, através do acesso a fundos comunitários, de concretizar algumas ideias e propostas que já vinham do tempo da CDU. O que é que nunca teria feito se fosse presidente?Não me teria empenhado, como fez o actual presidente (Joaquim Rosa do Céu), na criação da empresa intermunicipal Águas do Ribatejo. O concelho de Alpiarça tem uma cobertura de abastecimento de água e saneamento bastante grande e esta empresa é o caminho para a privatização de um bem essencial que é a água, que vai representar um aumento de tarifas e mais custos para os munícipes. E a nível da gestão da câmara municipal?Teria tratado de outra forma os fornecedores que estão muito tempo para receber da câmara. As dívidas da autarquia, que no total chegam a 10 milhões de euros, provocaram ou contribuíram para o encerramento de algumas pequenas empresas. Tem-se queixado que a câmara não dialoga com a população. A que se deve isso?A aceitação da vontade das populações é algo intrínseco a uma política de esquerda. Os socialistas de Alpiarça não dialogam porque não está na sua natureza.Apesar disso os socialistas têm ganho as eleições…O PS ganhou a câmara à CDU não através do partido mas de um movimento que juntou todos os descontentes e aproveitou uma conjuntura favorável, em que na altura o Governo era PS. Criou-se a ideia que a proximidade ao poder do Estado poderia ser um factor de captação de investimentos. Se isso funcionou numa primeira fase agora não. Criou-se também a imagem de que o actual presidente era uma pessoa determinada e competente, mas neste momento já não tem, de forma alguma, essa imagem.Neste momento há uma aproximação à CDU por parte do PSD, que tinha militantes no tal movimento que ajudou a eleger Rosa do Céu. Há algum acordo?A coincidência de posições do PSD e da CDU resulta da apreciação que o PSD faz dos aspectos negativos que têm muitas propostas apresentadas pela maioria PS. Não há acordos, embora possamos conversar. Aliás, conversamos com toda a gente. Ultimamente a CDU tem sido pouco crítica em relação à gestão socialista. É uma estratégia ou não há assuntos?Há momentos em que a luta política está mais acesa. Por outro lado, algumas das razões da nossa crítica já se mantêm há algum tempo e a evolução das situações não é de molde a justificar novas tomadas de posição. Mas estamos atentos e temos intervindo, sobretudo para fazer valer a coexistência democrática. Estou a lembrar-me da tentativa de retirar o pavilhão do recinto da feira ao PCP.A situação do pavilhão levou a que fizessem uma manifestação em frente à câmara municipal, na qual tinham interesse directo, mas não fizeram o mesmo em relação a outras situações que têm vindo a criticar. Hoje em dia não é fácil mobilizar as pessoas para manifestações. Neste caso fizemos um grande esforço de mobilização das pessoas e conseguimos, porque existe uma grande carga emocional em relação ao pavilhão por parte dos apoiantes e militantes do PCP que trabalharam gratuitamente na construção do edifício. Enquanto munícipe, sente que a câmara defende os seus direitos?Quando a maioria no executivo pretende ceder por 90 anos os terrenos da Quinta dos Patudos para um empreendimento turístico privado, a câmara não está a salvaguardar os meus interesses. Mas esse pode ser um mecanismo para desenvolvimento local e criação de emprego.Quero acreditar que seja essa a intenção. Mas o que é certo é que a câmara está a dar carta branca para uma empresa ou várias se apropriarem de um património público. Uma área até com grande interesse arqueológico, turístico e ambiental. Devia ser a câmara a valorizar o espaço, tendo o seu usufruto, podendo encontrar parcerias com privados, mantendo-se os terrenos no domínio público. Qual é a sua aposta em termos turísticos?Valorizar a Casa Museu dos Patudos e apostar na rentabilização dos equipamentos desportivos. Também avançar com uma ideia antiga que é a instalação de um centro de estágios desportivo com vertente hoteleira na zona da barragem. Além de promover o património natural do concelho. Importante também é a ligação da vila ao Tejo, que foi falada mas nunca avançou. Há ainda a questão da recuperação da aldeia típica do Patacão, que é um projecto antigo, que constituiu uma promessa do actual executivo, que este não concretizou. O que é que o chocou mais neste mandato?A postura que alguns eleitos do PS tiveram aquando das situações de vandalismo que ocorreram na vila, algumas em que eles foram vítimas. Foi o pior dos populismos. As pessoas vitimizaram-se e utilizaram isso politicamente tentando associar os acontecimentos aos opositores políticos. Além disso chocou-me a degradação ambiental do concelho. Já está a trabalhar na sua recandidatura?Essa questão ainda não está em cima da mesa. Tem havido a percepção por parte dos órgãos do PCP que está a realizar-se um trabalho positivo por parte dos eleitos que deve ter continuidade. E nessa linha continuo disponível a colaborar. O jogador de futebol que acabou como professorCostuma beber vinho de Alpiarça?Durante muitos anos convivi com o sector vinícola. Os meus avós eram produtores e eu ajudava na adega. Bebo socialmente, num jantar com amigos por exemplo, e sempre que possível escolho marcas de Alpiarça. Raramente usa gravata. É porque os comunistas gostam de dar uma imagem de trabalhadores?Há uma certa imagem do PCP associada a essa ideia, mas não costumo usar gravata porque não gosto. Às vezes, em certas situações, tenho que a usar, mas sempre que posso dispenso. É um hábito. Se não fosse professor o que gostaria de ter sido?Jogador de futebol. Joguei no Águias de Alpiarça desde os infantis aos seniores. Fiz parte do plantel sénior, embora não utilizado porque ainda era júnior, que ganhou a Taça Ribatejo. Mas também podia ter optado por ser jornalista porque é uma área que gosto e porque adoro escrever. Se tivesse oportunidade de jogar num dos grandes clubes, qual escolhia?O Benfica. Sou benfiquista por influência familiar. Assim sou vermelho em duas vertentes, a futebolística e a política (risos). Como é que se meteu na política?Aderi ao PCP aos 16 anos. Os meus familiares já eram pessoas ligadas ao partido. Na altura já tinha alguma consciência social mas ainda pouco política, mas que foi sendo sistematizada ao longo do tempo. Deve ter começado a colar cartazes…No início fui um militante pouco exemplar nesse aspecto, porque também passei algum tempo a viver fora de Alpiarça. Estive a estudar e a trabalhar em Braga. Quando regressei a Alpiarça, em 2000, comecei a ter uma participação mais activa no partido. E foi quando comecei a aprender muitas coisas com os camaradas mais experientes.Quando se candidatou à Câmara de Alpiarça em 2005 notava-se que era uma pessoa que estava pouco à vontade com a política.Sou uma pessoa um pouco tímida, mas desde essa altura tenho evoluído. Quando andava a estudar os seus colegas gozavam-no por ser comunista?Não. Mas viam a minha militância como algo exótico porque estava numa zona em que socialistas e sociais-democratas dominavam. Nunca escondi a minha faceta e isso até deu origem a debates e discussões políticas. Leu as teorias marxistas?Não é fácil e nem sempre é a leitura mais recreativa. Mas de vez em quando leio Marx, Engels, Lenine, Álvaro Cunhal...A quem é que gostava de dar uma aula?Não quero ser visto com a arrogância de querer dar uma aula a algumas figuras públicas, alguns políticos. Mas gostaria de estabelecer uma discussão política com alguns governantes aos quais temos dificuldade em aceder enquanto cidadãos. Quando era estudante alguma vez foi para a rua?Fui uma vez para a rua porque estava a conversar com um colega na aula de educação visual. Não era um aluno exemplar mas também não me portava mal. Sempre tive algum sentido de responsabilidade e compreendia o esforço que a minha família fazia para que eu pudesse estudar. Quando é que foi pela primeira vez à Festa do Avante?Era miúdo, tinha uns 10 anos. Fui com a minha mãe que costumava trabalhar como voluntária nos restaurantes da direcção regional do PCP. Agora, costumo ir todos os anos pelo menos um dia trabalhar na montagem da festa e depois vou assistir aos espectáculos. Passa a maior parte do tempo a muitos quilómetros de Alpiarça. Como é que mantém o contacto com a família, os amigos, a terra?Não é nada fácil. Vou telefonando para matar saudades. Mas tenho tido um apoio importante da família. Venho à quinta-feira para Alpiarça e regresso à segunda de manhã a Moimenta da Beira onde dou aulas. A nível político também tenho tido um apoio importante das estruturas locais e distritais do PCP. Se fosse eleito presidente da câmara teria que abdicar da minha actividade como professor.Como é que se sente num partido em que a maior parte dos militantes têm mais de 65 anos?A estrutura do PCP é um reflexo do envelhecimento da população de Alpiarça e do país. Tem havido tentativas de rejuvenescimento do partido. Pessoalmente sinto-me bem porque as pessoas que têm um papel activo no partido são pessoas válidas e com muita energia e muito para dar ainda à politica. Sinto um orgulho grande de poder contactar com pessoas que têm uma grande experiência de vida. Alpiagra devia promover mais os produtos locaisConcorda com o modelo actual da feira agrícola e comercial Alpiagra?A feira foi lançada há mais de 20 anos. E neste momento está a ser perdida a oportunidade de potenciar e promover os produtos locais. Está esquecida a parte ligada à produção, à agricultura. Juntava a Feira do Vinho e a Alpiagra numa só?É de manter os dois certames. Já se encurtou a duração da Feira do Vinho e terá que se pensar também no número de dias que dura a Alpiagra. Mas apostaria muito mais na divulgação dos produtos locais. Como é que vê o facto do concelho vizinho de Almeirim estar a apostar na promoção e certificação do melão, do vinho e das caralhotas (pão) e Alpiarça não ter nenhum projecto do género?Foi sempre um problema para Alpiarça o facto de algumas coisas que são produzidas no nosso concelho ou que têm a participação de agricultores de Alpiarça aparecerem associadas a Almeirim. Temos o caso do melão de Almeirim que na maior parte era produzido em Alpiarça. Para contrariar esta situação defendo que deve haver uma aposta no associativismo em Alpiarça e criar um entreposto que possa promover e escoar os nossos produtos.
O comunista que gostava de ser presidente da Câmara de Alpiarça

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