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Procuram-se homens com voz de tenor para música lírica

Procuram-se homens com voz de tenor para música lírica

Os grupos corais da região queixam-se da fraca participação do sexo masculino

É homem e consegue soltar dois acordes agudos no duche sem desafinar? Então é provável que seja o tenor que muitos grupos corais da região procuram desesperadamente.

“Homens (tenores) precisam-se para coro misto”. O apelo é da Canto Firme de Tomar Associação de Cultura que no início de mais um ano de actividade está a ressentir-se com a escassez de elementos masculinos no coro misto. “O coro continua a debater-se com alguma falta de tenores, isto é, homens de voz aguda, pelo que se aguarda com alguma ansiedade o aparecimento de voluntários”, diz uma nota lançada pela associação.O maestro António de Sousa, a ensaiar o coro há quase 30 anos, explica que aparecem sobretudo baixos - homens de voz grave - o que ajuda ainda mais a abafar a voz dos escassos seis tenores – vozes agudas - que o grupo ainda consegue manter.“Há falta de tenores a nível mundial”, conforma-se o maestro que acredita que a tendência cada vez mais grave das vozes masculinas prende-se com os estilos de vida e com a poluição. “Já ouviu aquela expressão: estás com uma voz de bagaço?”, diz com humor. A falta de homens é uma realidade comum a muitos grupos de coros que se vêem limitados a vozes femininas. Os sopranos e contraltos são os que mais soam nos grupos da região. Mas os baixos e sobretudo os tenores – vozes masculinas - são autênticas raridades.O maestro que ensaia o coro do grupo Cant’arte de Pontével, no concelho do Cartaxo, tem uma explicação para o fenómeno. Os homens que integram o grupo são quase todos baixos. “É difícil recrutar tenores. É uma voz muito aguda de homem que não aparece com facilidade. O ser humano tem uma tendência para a confortabilidade”, analisa Abílio Figueiredo, 47 anos, que ensaia o grupo de Pontével há 11 anos.Nos grupos corais amadores proliferam sobretudo os barítonos que se situam num timbre intermédio que anda entre o tenor e o baixo. Os baixos fazem a base do acorde, os sopranos fazem a melodia e os tenores e os contraltos dão cor. “E essas vozes não são fáceis de assimilar à priori”, explica o maestro. No ensaio de quinta-feira à noite, na Casa do Povo, o maestro dá sinal com o seu diapasão. No aquecimento das vozes, mais não se descortina que umas notas que fazem os miúdos da rua produzir uma imitação. “Nota-se a falta de homens – principalmente a falta de vozes jovens. As requisições são muitas e é preciso competir com computadores, Internet e pouca vontade de participar em questões mais sociais”, opina.Filipe Rato, um dos baixos do grupo, não se admira que muitos homens não arrisquem integrar um grupo coral quando muitas vezes a actividade é confundida com rituais religiosos. O problema agrava-se nas zonas mais rurais. Ao medo de não saber cantar, adiciona-se o preconceito e o receio de integrar grupos elitistas. “Em algumas terras ainda se vê muitos homens a ficar em casa ou a ir até ao café, a conversar ou a ver televisão, sobretudo quando há jogos de futebol. Os mais jovens têm outro género de interesses”, sentencia.De aprendiz de fliscorne a baixo no coro da terra“Ai flores, ai flores do verde pino, se sabedes novas do meu amigo!”. Foi assim que tudo começou. Uma letra de um poema do século XIII e uma música de Pedro Caldeira Cabral. “Fizemo-lo por causa da lenda da passagem da Rainha Santa Isabel por Pontével”, explica o professor de História, Filipe Rato que há cerca de 11 anos foi um dos grandes responsáveis pelo aparecimento do coro Cant’arte em Pontével, concelho do Cartaxo. O docente, 47 anos, integra o naipe de baixos do grupo que surgiu no âmbito de um projecto educativo relacionado com a história local. Ensaiavam de forma empírica. Sem fazer diferença de naipes. “Fazíamos a contraposição de vozes mais graves masculinas e as mais agudas femininas. Já dava um contraste engraçado”, conta. Fundos do Ministério da Educação permitiram avançar com um curso sócio-educativo que possibilitou a contratação de um maestro.Filipe Rato apaixonou-se pela música ainda em criança. “Na minha altura os meninos tinham que ir quase todos para as bandas filarmónicas”. Passou pela experiência e atribuíram-lhe o fliscorne, um instrumento da família dos trompetes. “Foi o mesmo que atribuíram ao meu pai e portanto senti-me com um certo orgulho. Depois houve qualquer coisa que falhou e deixei de frequentar a escola de música da banda”, recorda. O bichinho nunca morreu. A paixão intensificou-se depois de vivenciar o período pós-revolucionário, as exposições europeias de cultura e de conhecer um professor invisual que lhe despertou ainda maior sensibilidade para a arte. Aos 26 anos já integrava um coro do Cartaxo. Depois, como professor de história, foi colocado em S. Martinho do Porto, mas não descansou enquanto não descobriu outro grupo. Deslocava-se à Marinha Grande todas as semanas só para cantar. Já integrou um grupo em Santarém, mas actualmente é na sua terra – Pontével – que faz ouvir a sua voz. Engenheiro de formação, tenor por vocação“Este homem tem voz de mulher”. Vítor Luz, 64 anos, penitencia-se quando admite que chegou a pensar assim ao ouvir um cantor lírico. O engenheiro aposentado é actualmente tenor por vocação. A sua voz dá corpo a um dos naipes mais agudos do grupo a que pertence – o coral Ares Novos de Alverca. Sempre teve uma paixão secreta pela música, mas só se deixou levar há cerca de cinco anos quando foi “assediado”. Vicissitudes de ser vizinho do presidente e do local que serve de abrigo aos que dão a “voz” à causa. “Desisti de refugiar-me na falta de tempo e percebi que a vida também não pode resumir-se a chegar a casa e tomar a refeição e dormir”, explica.O engenheiro admite que os homens têm tendência a valorizar tudo aquilo que é a afirmação física. “As mulheres têm abertura a todas as actividades”, reconhece. “Na escola não nos passaria pela cabeça fazer o jogo do lenço”, diz entre gargalhadas o engenheiro aposentado que pratica BTT nas horas vagas. Duas das suas noites são ocupadas com o ensaio do coro. Vítor Luz não tem pretensões de ser reconhecido pela qualidade de voz assinalável, mas tem consciência de que não é comum encontrar um tenor num coro amador. A sala de ensaios do grupo coral de Alverca está forrada com as mantas lá de casa para efeitos de isolamento acústico. As cadeiras de design são novas e foram compradas como último subsídio que receberam.“Quem sabe cantar vai para tenor, os outros para baixo”, diz com modéstia o camarada Paulo Viola, do naipe de baixo. Veio por arrastamento. Chegou a um ensaio para acompanhar a mulher, também professora, e acabou no naipe dos baixos. Foi menino de coro em idade escolar, mas tinha voz branca. “Cantava tudo. A minha mulher sim, essa canta bem”, remata com humor.
Procuram-se homens com voz de tenor para música lírica

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