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O algarvio que se tornou ribatejano por causa de um grande amor

O algarvio que se tornou ribatejano por causa de um grande amor

Razões do coração levaram Francisco Silva a trocar Albufeira por Azambuja

Nasceu no Algarve, mas um grande amor levou-o até à lezíria ribatejana. Vive na Azambuja e, em Portugal e na Europa, é uma das grandes vozes que se ouvem em defesa dos agricultores. O secretário-geral da Confagri elege o tomate como a cultura de referência na região e defende que os outros sectores deveriam seguir-lhe os passos. Critica a falta de empreendedorismo e o comodismo e decepcionou-se com a vitória de uma “estratégia bem urdida” que levou o aeroporto para a margem sul.

Nasceu no Algarve, uma zona que pouco tem a ver com a Azambuja onde vive.O concelho de Albufeira, no Algarve, era agrícola e piscatório. Até aos meus dez anos. Depois veio essa coisa chamada turismo. Os resultados estão à vista. O bom e o mau. É indiscutível que o desenvolvimento económico surgiu. Hoje Albufeira é uma das cinco principais cidades do país. E é com grande orgulho que vejo que o concelho é uma referência a nível nacional e internacional. O que faziam os seus pais?O meu pai era industrial e dedicava-se também à parte agrícola como a maioria dos portugueses. Tinha uma característica interessante. Casou com 45 anos. Aos 20 anos morava em Paris. Depois foi para a Argentina onde viveu 18 anos no tempo da segunda guerra mundial, da Evita e Peron. Foi trabalhar na construção civil e no cultivo de flores. Naturalmente isso deu-lhe um grande traquejo que acabou por me transmitir. Lembro-me perfeitamente - o meu pai faleceu há 26 anos – que andava no liceu e discutíamos economia e geografia. Ele tinha uma clarividência e um conhecimento total do mundo. A vivência no estrangeiro dá às pessoas grande cultura.Regressou decepcionado?Cumpriu a sua missão… Casou e do casamento nasci eu. Sou filho único. O meu pai, que para a época tinha algumas posses, pôs-me a estudar no liceu e na faculdade. O seu pai que trabalhava como industrial...Tinha uma fabriqueta de capacho [disco plano e delgado, feito de fibras vegetais ou sintéticas, sobre o qual é distribuída a massa da azeitona] para lagares. A fábrica abastecia os lagares da zona central do Algarve. Havia muitos lagares de azeite. Na época de maior saída trabalhavam 50 pessoas na minha casa, o que já era razoável. E dedicavam-se também à agricultura…O meu pai tinha a sua produção de amêndoas e alfarrobas. Tratava os seus pomares de amendoeiras com grande cuidado. Era uma pessoa com muita opinião e muito rigor. Tinha essa cultura de convivência com a sociedade parisiense e com a Argentina. Gostava de manter determinados princípios de rigor e apresentação. Essa é hoje uma das minhas vertentes. Depois tínhamos culturas sazonais, como a fava e a ervilha. E havia toda aquela produção para a casa. Desde o porco até à batata, passando pelo azeite. E ajudava?Um pouco… No concelho de Albufeira, na minha época, havia duas pessoas que andavam no liceu em Faro. Levantava-me às 05h30 para apanhar o comboio. Depois o meu pai resolveu pôr-me no Colégio Nuno Álvares, em Tomar. Onde conheci a minha mulher. Apaixonou-se pela cidade e pela futura mulher…Sim, essas coisas que acontecem na vida das pessoas... Já casámos há muitos anos. Começámos a namorar por volta dos 17 anos. Eram tempos terríveis. Havia o colégio masculino e o feminino. O feminino era junto ao rio. O masculino era lá em cima. Encontrávamo-nos porque tínhamos aulas em comum. Era mais fácil a acessibilidade (risos). Eram aulas de ciências. Ela é farmacêutica. Começou a trabalhar enquanto estudava.Fui para a faculdade estudar agronomia e comecei a dar aulas no quarto ano. Isto numa época que coincide com o 25 de Abril. Havia grande dificuldade de professores e eu sempre tive alguma vontade e vocação para ganhar dinheiro. Dava aulas à noite. Continuei a dar aulas, entretanto casei, continuei a dar aulas e depois fui abrir o IFADAP em Santarém em 1977.Um menino da Guia apaixonado pelo mundoFrancisco Silva nasceu há 58 anos na Guia, freguesia do concelho de Albufeira, no Algarve, conhecida pelo famoso frango. O turismo desabrochou no Algarve quando começou a despontar o jovem estudante de agronomia. Viveu no sul até aos 26 anos. “Cresci com Albufeira e Albufeira cresceu comigo”, resume. Completou o liceu em Tomar e foi lá que conheceu a mãe dos seus dois filhos. Um grande amor que o levou até Azambuja, onde está há mais de 30 anos. Tem várias empresas. Uma farmácia, uma clínica e até uma imobiliária estão entre os negócios da família. Confessa que sempre gostou de ganhar dinheiro. Começou a dar aulas quando estudava. Enquanto os colegas andavam na vida nocturna Francisco Silva, não deixando de fazer o mesmo, garantia o seu aforro. Sempre se envolveu nas questões associativas. Quando foi estudar para o Colégio Nuno Álvares, em Tomar, foi eleito um dos elementos da comissão de festas. Aos 17 anos fundou com pessoas mais velhas um clube da terra, no Algarve, que deu depois origem ao Ferreiras com camisolas inspiradas no Boca Juniores da Argentina. Ainda hoje o azul e o amarelo predominam. Foi deputado à Assembleia da República pelo PSD, é presidente da Caixa de Crédito Agrícola de Azambuja, secretário-geral da Confagri e membro do Comité Económico e Social em Bruxelas. Foi um dos técnicos que dinamizou o IFADAP em Santarém. Conversa com ministros e eurodeputados com a mesma naturalidade que toma um café com os “rapazes” na taberna em Azambuja. Tem um discurso elaborado, mas claro. Desassombrado. É uma figura simples que os populares cumprimentam nas ruas.Viaja a Bruxelas regularmente. Uma vez por mês regressa a Albufeira. Devora livros de economia, acordos internacionais e todas as semanas acompanha as novidades do sector da banca. Gosta de Gabriel Garcia Marquez. Na cabeceira tem um livro sobre o México porque vai visitar o país em Outubro em missão do comité.Não tem tempo para actividade física, mas não dispensa os jogos do seu Benfica. Tem lugar cativo no Estádio da Luz e acompanha com entusiasmo o que se passa em outros países, como o Brasil e Argentina. Os jornais desportivos mundiais estão entre os seus favoritos no computador. Uma estratégia “bem urdida” afastou aeroporto da OtaComo empresário tem investido em Azambuja dando exemplo de empreendedorismo.É o exemplo do que gostava de ver noutras áreas aqui na Azambuja e infelizmente não vejo. Na área de comércio, em termos de modernização, estamos distantes daquilo que devíamos estar. A história do aeroporto ainda agudizou tudo isto.Esteve presente num seminário em Azambuja quando o aeroporto era um dado adquirido…O aeroporto sempre foi um dado adquirido até este ano. Eu era deputado (do PSD) na altura e discutia-se a deslocalização dos depósitos da Galp, onde está hoje a Expo em Lisboa. Sinceramente não me agradava que viessem para Azambuja. Os depósitos vieram para Aveiras de Cima na lógica de que o aeroporto seria na Ota. Mas venceu uma estratégia bem urdida. O aeroporto da Ota tinha dimensão para 75 milhões de passageiros por ano. É a dimensão que tem actualmente o aeroporto de Pequim onde se realizaram os Jogos Olímpicos deste ano num país que tem quatro mil milhões de habitantes. São opções que em termos líquidos prejudicaram a nossa região e beneficiaram a península de Setúbal e a margem sul. Há sinais preocupantes que vêm de instituições com algumas responsabilidades, como o Centro Nacional de Exposições (Cnema) em Santarém, que cancelou uma feira no sector do mobiliário e do imobiliário por falta de interessados.O Cnema é outra história. Sou administrador do Cnema desde a sua constituição e tenho acompanhado a situação, apesar da participação da Confagri, a organização que represento, ser minoritária. Santarém é uma cidade complexa e portanto o Cnema tem as virtudes e os defeitos da cidade e também sofre as consequências dessa complexidade. Acho que há uma parte significativa da população de Santarém que nunca gostou do Cnema, nunca gostou da deslocalização da Feira da Agricultura e por isso sempre defendemos que era importante a Câmara de Santarém participasse na administração. É importante que estes problemas sejam esbatidos, que a câmara seja parceiro activo no Cnema, o que infelizmente não tem acontecido das duas partes. Acredito que o bom senso prevalecerá. É notório – e digo isto com pena – que a Feira Nacional da Agricultura vem perdendo peso, o que não é benéfico para a região. “O Parlamento de hoje é primário”Recorda os tempos do Parlamento com saudade?Foi uma época da minha vida. Fui nove anos deputado, mas a política acabou. Do ponto de vista pessoal, de formação humana e aprendizagem foi fundamental. No meu tempo a Assembleia da República tinha deputados de todos os partidos com uma classificação que não tem agora. O Parlamento de hoje é primário comparado com o do meu tempo em que havia figuras de alto gabarito nacional com quem se aprendia alguma coisa. Agora o Parlamento tornou-se mais um carreirismo político. Parte dos deputados não tem qualificação nem qualidades para desempenhar esse cargo. E isso acontece porquê?Passa pelo funcionamento dos partidos. Pela escolha dos candidatos, pelos sindicatos de apoio que se criam. Há uma certa inquinação da política partidária portuguesa. Os partidos deveriam ser mais exigentes. O que nós estamos a escolher são pessoas que vão fazer leis que se aplicam no país. Saiu desiludido com a política?Não. Foi importante na minha vida. Sempre achei que se deve ter alguma independência económica, senão total, da vida partidária. Nunca abandonei a minha carreira profissional para me dedicar exclusivamente à política e esse é um grande problema. As pessoas afastaram-se da sua vida profissional e fazem da política uma profissão. “Há interesses na Europa que têm colocado a agricultura em segundo plano”Acompanhou todo o processo de integração comunitária e ajudou inclusivamente a preparar terreno. Dominava toda a política comunitária, nomeadamente a parte financeira. Lembro-me que no ano da adesão à comunidade fiz 56 colóquios no país para divulgar os mecanismos da política agrícola. No IFADAP estudei muito antes de Portugal ser membro da Comunidade Económica Europeia. Como foi preparar as pessoas para a abertura à comunidade?Na altura as pessoas queriam saber quais eram os direitos e como é que se podiam candidatar. E nós explicávamos. O grande impacto da adesão da agricultura portuguesa à Europa acontece em 1991, cinco anos depois. Já no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC) criaram-se muitas expectativas em relação àquele que poderia ser o empurrão da Europa…A PAC dessa altura nada tem a ver com a PAC de hoje. A Europa entrou numa lógica de alargamento que levou à descaracterização. E sinto isso como membro do comité económico e social em Bruxelas, um órgão de consulta da Comissão Europeia. Apanhei o comité com 16 países. Agora são 28. Converso com os meus colegas da Lituânia, Estónia, da República Checa e da Eslováquia e a maneira de pensar e de estar é completamente diferente daquela Europa que existia antes. O que cria desequilíbrios…A Europa descentrou-se para Leste. Isto tem consequências ao nível do orçamento e das políticas. Ao mesmo tempo a União Europeia entra para a Organização Mundial do Comércio (COM). Imediatamente se coloca a questão do debate entre a liberalização e o proteccionismo. As negociações da OMC não avançaram. Há interesses na Europa que têm colocado a agricultura em segundo plano favorecendo outros interesses comerciais. O que levou a esta situação?A comissária europeia da agricultura, que vem de um país pequeno que é a Dinamarca, tem uma lógica liberalizante excessiva que para ela é o “free market”. Quer acabar com tudo o que é definido pelos economistas como empecilhos para o livre funcionamento do mercado: as protecções na fronteira, os apoios ao rendimento, as ajudas de Estado, as intervenções e as quotas. Este cenário sublimado leva à destruição da agricultura em grande parte da Europa. E é evidente que países periféricos como o nosso são os primeiros a sofrer. As grandes culturas da nossa região estão, neste momento, com um cutelo em cima porque os apoios ficarão desligados da produção. É defensor do meio termo…Como tudo na vida acho que o meio termo irá resolver o problema e espero que haja bom senso. Existe a ideia de que o agricultor português se acomodou um pouco aos subsídios. O agricultor teve os mesmos subsídios que qualquer agricultor da Europa. São iguais e é por isso que a política agrícola é comum. Mas não se tornaram tão competitivos como porventura deveria ter acontecido.Alguns tornaram-se, outros não… Houve uma fase em que houve algum facilitismo. Numa fase inicial de adesão à comunidade. Os agricultores mais conscientes e responsáveis modernizaram-se. Temos sectores aqui que estão na primeira linha a nível mundial, como o sector do tomate. Naturalmente vai ter dificuldades com os preços, na concorrência, mas isso é a política económica e o comércio mundial. Outros sectores, como o leite e algumas áreas do vinho, também se organizaram. Hoje estamos a discutir uma política agrícola para empresários. Não estamos a discutir uma política agrícola de subsistência para agricultores. O que os agricultores têm que mudar para fortalecer o sector?O agricultor tem que estar informado. Antigamente tínhamos uma agricultura de estações. Agora foi introduzida uma nova agricultura: a dos regulamentos. O agricultor tem que conhecer os regulamentos comunitários, mas também as questões de nível sanitário e bem-estar animal. A formação é vital. Muitos têm dificuldades e por isso é necessário reforçar o sector associativo, que tem que ter aí um papel fundamental. O Estado não tem vocação para isso. O tomate tem sucesso porque tem fábricas bem geridas na nossa região. Quando não há organização há dificuldades. Aquilo que temos na produção de tomate temos que ter na produção da uva, do azeite. É fácil ser a voz dos agricultores na Europa, passar essa mensagem?Não é fácil. Portugal queimou muitos cartuchos e ganhou algum descrédito porque defendeu coisas que não deveriam ser as prioritárias. Hoje o tratamento é mais generalista. Ainda por cima com a questão do alargamento...
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