Centralizar ou descentralizar?
Dr. António Pires da Silva*
Vivemos tempos incertos mas estimulantes. Deve construir-se o TGV ou não? Devem construir-se mais auto-estradas? Vale a pena construir um novo aeroporto?...Em boa verdade o nosso futuro e o dos nossos filhos irão depender, em muito, das escolhas que começamos a fazer já hoje. E essas escolhas só poderão ser feitas e compreendidas se entendermos o que está hoje em questão.Nesse aspecto não tenho dúvidas de que, a conjugação do TGV com a rede viária nacional irá, na próxima dezena de anos, transformar o país. Essa transformação estrutural ao permitir uma mais fácil e mais rápida mobilidade, conduzirá, em minha opinião, a dois tipos de evolução: uma delas é a transformação de Portugal numa megalópole entre Viana do Castelo e Setúbal ou Sines; a outra é a conjugação desta megalópole com uma rede de cidades intermédias nos pontos de intersecção das grandes vias que atravessam longitudinalmente e transversalmente (em direcção a Espanha) o País.A escolha entre os dois modelos vai ser essencialmente política. Ambos os cenários são possíveis embora acarretem consequências diferentes. No primeiro dos cenários teremos, essencialmente, um exacerbamento do que já hoje é Portugal: “...Lisboa, enquanto o resto é paisagem”.Neste cenário, as médias cidades do interior, tenderão a desaparecer ou a transformar-se, no caso das que têm uma maior riqueza patrimonial, em museus habitados por memórias e idosos. Os campos serão pasto sazonal das chamas e das silvas ou, na melhor hipótese, transformar-se-ão em campos de golfe com mais buracos do que um queijo suíço.Por outro lado, concomitantemente, a megalópole do litoral será igual a tantas outras cidades do mundo: uma grande concentração de riqueza e de recursos humanos mas também de pobreza, marginalidade, sordidez e crime.No segundo dos cenários teremos, uma atenuação do que é hoje Portugal: uma maior desconcentração de população, recursos e riqueza. Teremos a recuperação de actividades agrícolas tradicionais juntamente com outras actividades enriquecedoras do mundo rural, tais como o artesanato, o turismo de natureza e de aventura e a exploração de alguns recursos naturais locais. Concisamente, teremos a preservação daquela que deve ser a imagem de marca de Portugal: uma espécie de índice do mundo em que uma pequena deslocação de 5 dezenas de quilómetros proporciona paisagens, culturas e sociedades completamente diferentes, uma cultura única com quase 900 anos de existência.A escolha está em cima da mesa e na ordem do dia. E é neste segundo cenário que entendo que uma das missões das Instituições de Ensino Superior, principalmente as Instituições de Ensino Superior Politécnico, para além de promoverem a investigação científica e ministrarem formação de nível superior é contribuírem para o desenvolvimento dessas regiões e para a fixação e permanência, no interior, de uma massa crítica e de população que, de outra forma, se escoaria para o litoral ou para o estrangeiro, hoje com maior facilidade do que nunca, devido às excelentes vias de comunicação de que começamos a dispor.No caso concreto do IPT, o sucesso da sua estratégia de desenvolvimento para esta região, permitiu-lhe consolidar uma Escola Superior em Abrantes, a ESTA, que apostando nas Tecnologias e na Comunicação criou já uma comunidade de mais de 600 alunos do ensino superior que começam a disseminar a tecnologia e o conhecimento científico pelas empresas da região.Permitiu-lhe responder às solicitações das autarquias vizinhas abrindo Centros de Estudos Politécnicos em Torres Novas, Golegã, Sertã, Mação e Ferreira do Zêzere, possibilitando a estas localidades responder à procura de ofertas formativas estratégicas para o seu desenvolvimento, conservando os seus jovens e atraindo investimentos e trabalhadores mais qualificados. Permitiu-lhe associar-se a várias autarquias, desde Proença-a-Nova até à Golegã para a implementação de cursos de especialização tecnológica de interesse para essas regiões.Permitiu-lhe, em associação com a Câmara Municipal de Mação, implementar o Centro Europeu “Instituto Terra e Memória” onde decorrem mestrados e Doutoramentos Erasmus-mundus na área da arqueologia e com a Câmara Municipal da Golegã, implementar o Centro de Estudos de Fotografia da GolegãPermitiu-lhe ser convidado para ser membro fundador e integrar a direcção do Parque tecnológico do Vale do Tejo (TAGUSVALLEY);Permitiu-lhe, em poucas palavras, começar a exercer uma função de “argamassa” social que expectavelmente irá conduzir a uma maior coesão sócio-económica desta parte do distrito, ou de toda esta região, estendendo-a, mesmo, até ao Pinhal Interior.No distrito de Santarém as opções que se vierem a fazer em matéria de reorganização do ensino superior serão determinantes para o futuro do distrito tal como a escolha dos modelos de ordenamento do território o é, a nível nacional. Existem duas hipóteses: centralizar o ensino superior num dado local, na tentativa de conferir a esse local uma centralidade que provavelmente não tem, quer dos pontos de vista demográfico, da actividade económica e da situação geográfica ou manter uma dispersão que assegure um desenvolvimento polinucleado no distrito. Esta última hipótese é, em minha opinião, a preferível porque permitirá um desenvolvimento sustentável das regiões limítrofes às instituições de ensino superior do distrito, aproveitando-se recursos que estão desigualmente distribuídos; permitirá o desenvolvimento de um destino turístico com capacidade para reter os turistas durante vários dias, mas sobretudo, permitirá a sobrevivência de uma rede de cidades médias que, devidamente articuladas, podem criar uma das zonas de melhor qualidade de vida do país. Acima de tudo, é preferível, por uma razão que a cegueira do poder parece impedir algumas pessoas de ver. É que num cenário de centralização as populações de cidades como Tomar, Abrantes, Torres Novas ou Entroncamento, que procuram formar-se e qualificar-se, que procuram o ensino superior, não vão emigrar para a capital do distrito. Trata-se de populações que rumarão em direcção ao litoral ou mesmo ao estrangeiro. Por isso, temo que a incerteza dos tempos não seja aproveitada para fazer as escolhas mais estimulantes e que o futuro dos nossos filhos não esteja tão assegurado quanto podia e devia.* Presidente do Instituto Politécnico de Tomar
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