Vice-presidente da Câmara de Santarém suspende mandato em ruptura com Moita Flores
Ramiro Matos deixou segunda-feira as funções pelo menos por 180 dias
O agravamento das relações entre o presidente e o vice-presidente da Câmara de Santarém culminaram com o pedido de suspensão do mandato por parte de Ramiro Matos (PSD). A gota que fez transbordar o copo terá sido a intenção do presidente Francisco Moita Flores (independente eleito pelo PSD) em proceder a mudanças na área da gestão financeira, cujo pelouro pertencia ao vice-presidente. Perante essa intenção - que Moita Flores deixou no ar na entrevista que deu na passada semana a O MIRANTE - Ramiro Matos reuniu-se com Moita Flores e com mais dois elementos do PSD e decidiu suspender o mandato por 180 dias. O que implica a entrada no executivo de António Valente, piloto de aviões. Na redistribuição dos pelouros até agora assumidos por Ramiro Matos, o novo vereador António Valente deverá ficar com a Protecção Civil, Moita Flores assume as Finanças e Ricardo Gonçalves passa a tutelar o Desporto. Em declarações a O MIRANTE, o presidente da Câmara de Santarém não lamentou a suspensão de mandato pedida por Ramiro Matos, que entrou em vigor segunda-feira. “Só lamento perdas irreparáveis”, disse o autarca acrescentando que “não tinha razão nenhuma” para afastar o seu vice-presidente do executivo. Já na reunião do executivo de segunda-feira voltou a manifestar-se nesse sentido e deixou o “aplauso” ao “contributo” dado à autarquia pelo seu ex-vice-presidente. Ramiro Matos vai dedicar-se ao escritório de advocacia de que é sócio em Santarém pelo menos nos próximos 180 dias, embora mantenha a actividade partidária como presidente da mesa da assembleia de militantes da concelhia do PSD. Quanto ao que acontecerá após expirar o prazo da suspensão, diz que é cedo para tecer conjecturas: “Muita coisa pode acontecer, na altura decidirei”.A saída de Ramiro Matos tem algumas implicações no funcionamento do executivo. Era ele que habitualmente fazia as despesas na defesa dos orçamentos e relatórios de contas tanto no executivo camarário como na assembleia municipal. Papel que agora deverá ser desempenhado por Moita Flores. Esta é a segunda mexida substancial na maioria PSD que gere o município. Pouco depois do início do mandato o vereador Mário Santos abandonou o cargo para responder a um desafio profissional ligado à aviação civil no Algarve. Ricardo Gonçalves, que deverá agora assumir o estatuto de número dois no executivo, entrou para o executivo nessa altura tendo assumido pelouros importantes como os do Trânsito e Obras Municipais.PS pouco convencido com razões invocadasA breve discussão do ponto onde se aprovou a suspensão do mandato de Ramiro Matos serviu para um coro de elogios ou de palavras de reconhecimento ao visado e votos de felicidades ao seu substituto, com o socialista Manuel Afonso a dar a tónica política ao debate: “Acho que não se está a dizer toda a verdade sobre a forma como saiu. Teve fortes razões para não continuar no executivo e isso preocupa-me”, declarou o vereador socialista, que questionou o presidente da câmara sobre quem assume a pasta das Finanças. “O senhor já por mais de uma vez disse que não percebia nada de finanças”, acentuou dirigindo-se a Moita Flores. O presidente do município respondeu dizendo que a saída de Ramiro Matos “não deve ser fonte de preocupação para ninguém” até porque quem o substitui “é um homem de grande qualidade”. Crónica de uma cisão anunciadaRamiro Matos era presidente da concelhia de Santarém do PSD quando foi firmado o acordo com Moita Flores para este encabeçar a lista do partido à Câmara de Santarém. De início as coisas correram bem, mas a partir da segunda metade do mandato começou a notar-se um certo esfriamento nas relações. Alguns técnicos começaram a ganhar protagonismo na gestão municipal, como a directora do Urbanismo Dina Vieira e a jurista e adjunta de Moita Flores, Vânia Neto, que é líder distrital da JSD. Dois nomes que são dados como certos na próxima lista de Moita Flores, caso se recandidate ao cargo.Esse protagonismo de alguns técnicos caiu mal nalguns sectores do PSD, que entenderam estar a ofuscar a acção dos vereadores do partido, designadamente Ramiro Matos e Ricardo Gonçalves. Já este ano o assunto foi levantado em reuniões de militantes, onde foram também mencionados os rumores que corriam na cidade de que Moita Flores poderia avançar nas próximas eleições com uma lista independente. Na altura Ramiro Matos afirmou aos militantes que o partido devia estar preparado para todas as eventualidades, o que foi entendido por alguns correligionários como uma pré-disposição de Ramiro para ser candidato à câmara, o que este desmentiu. Essa informação chegou a Moita Flores, que não gostou nada do que ouviu.Outro sinal de que as relações já não eram as mesmas no seio do executivo foi dado por Moita Flores em Fevereiro passado quando decidiu chamar a si uma série de responsabilidades que tinha delegado nos vereadores para garantir o controlo sobre as despesas em áreas como a publicidade, marketing e relações públicas. Num despacho datado de 11 de Fevereiro, o autarca deixava implícito que não tinha sido feito tudo para cortar em despesas supérfluas ao defender a necessidade de “reduzir despesa corrente e mobilizar recursos para investimento”. Na reunião do executivo onde o assunto foi debatido, Moita Flores falou de “ajuste” nas competências delegadas mas na prática o despacho ia mais além. O presidente passou a exigir um relatório mensal de todas as despesas acima dos dez mil euros autorizadas pelos vários pelouros. E o plano mensal de pagamentos elaborado pelo vereador das Finanças, Ramiro Matos, tinha também de lhe ser apresentado “para visto expresso de aprovação prévia”. Ou seja, só com a assinatura havia ordem para pagar. Com essa medida, Ramiro Matos perdeu alguma da sua autonomia em termos de gestão e logo nessa altura começou a desenhar-se a cisão que agora se consumou.Os trabalhos de Ramiro MatosDurante os três anos que exerceu funções, Ramiro Matos empenhou-se na reestruturação do serviço de protecção civil e dos Bombeiros Municipais, sendo um adepto da fusão desse corpo com o dos Bombeiros Voluntários de Santarém. A construção de um complexo desportivo era outra das suas bandeiras. Ramiro defendia a sua execução na zona do Choupal, perto da nave desportiva, mas Moita Flores pretende construir esse equipamento junto ao complexo aquático municipal.Uma das suas medidas mais polémicas foi a da criação da Praia de Santarém. Uma zona de lazer com piscinas e bares num terreno à beira Tejo na Ribeira de Santarém. O dinheiro investido não teve correspondência adequada por parte da população e Moita Flores nunca foi um entusiasta do projecto.PSD encara situação com tranquilidadeO vereador e presidente da concelhia de Santarém do PSD considera que a cisão entre Ramiro Matos e Moita Flores não vai ter repercussões no processo de preparação das autárquicas do próximo ano nem vai prejudicar o partido nesse acto eleitoral. “Temos falado bastante sobre a recandidatura do presidente Moita Flores e este tem dito que se for candidato é sempre nos moldes em que foi em 2005, com o PSD e com as pessoas do PSD. Há que haver tranquilidade quanto a isso”, referiu.Ricardo Gonçalves lembra que o prazo dado pelo PSD para os seus presidentes de câmara tomarem uma decisão sobre as suas recandidaturas é até final de Março de 2009, pelo que acha que ainda há bastante tempo. Já quanto à saída de Ramiro Matos, de quem é amigo e companheiro de luta política há muitos anos, diz que se tratou de uma “decisão pessoal e ponderada”. Elogiou o seu desempenho autárquico, definindo-o como “um grande quadro do PSD concelhio e distrital” e considerou que se trata de um “até já”.
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