Câmara de Azambuja organiza missa de finados no cemitério
Iniciativa municipal belisca Lei da Liberdade Religiosa
Eleitos primam pela ausência na celebração da vitória de Cristo sobre a morte. Fiéis de outras organizações religiosas criticam envolvimento do município.
Domingo de finados. Três e meia da tarde. A presença do vereador José Manuel Pratas junto da entrada do cemitério de Azambuja é o único elemento que relaciona a câmara municipal com a organização da missa dedicada aos fiéis defuntos. Acompanhado do responsável pela manutenção do cemitério, o autarca cumprimenta um a um os fiéis que vão chegando. Junto à capela estão cerca de duzentas cadeiras que não chegam para todos os devotos. O altar improvisado no exterior tem duas velas acesas e está coberto por uma estrutura com um pano azul forte. Há uma aparelhagem de som montada pela câmara para amplificar a mensagem de Deus proferida pelo cónego João Canilho. “Vamos rezar pelos nossos mortos. Estamos solidários com eles”, afirma o clérigo.Apesar da missa ser organizada pela câmara, contam-se pelos dedos os autarcas, entre mais de três centenas de fiéis. Para além do vereador, vemos o comandante dos bombeiros Pedro Cardoso, que é também eleito na junta de freguesia e na assembleia municipal. O presidente da câmara, Joaquim Ramos justifica a ausência com motivos pessoais e é substituído pelo chefe de gabinete José Eduardo.Rolando Aguinaldo, imigrante brasileiro radicado em Azambuja é testemunha de Jeová. O operário considera que “ao organizar uma cerimónia religiosa da comunidade católica”, a câmara está a discriminar outras congregações religiosas. “Não é justo. Os dirigentes da política devem ser neutros”, adianta.Opinião contrariada por Armanda Gomes que defende que a câmara deve organizar cerimónias católicas porque a maioria dos moradores de Azambuja “ainda é católica”. Um argumento utilizado pelo vereador José Manuel Pratas. “Sendo um concelho onde a religião católica é a dominante, devemos apoiar esta iniciativa que já organizamos desde 2002. O autarca realça que o município tem apoiado outras organizações religiosas. “Analisamos todos os pedidos e ajudamos”, garante. Em 2004 foi aprovada a cedência de um terreno no Valverde, junto das oficinas municipais, para a construção da sede da Associação da Congregação do Porto Alto das Testemunhas de Jeová. Têm havido outros apoios a várias organizações religiosas, mas nada comparado com os subsídios para a igreja católica.Ludgero Pires, pastor da Assembleia de Deus de Azambuja, não critica a atitude do município desde que a câmara mantenha os apoios a todas as organizações credíveis e reconhecidas. “Estou cá há dois anos e nunca fiz nenhum pedido à câmara, mas sei que antes a assembleia recebeu algum apoio”, refere. A realização de uma missa numa parceria da câmara com a igreja católica pode significar uma violação da Lei da Liberdade Religiosa (16/2001 de 22 de Julho) no seu artigo 4º quando se refere ao princípio da não confessionalidade do Estado. “O Estado não adopta qualquer religião nem se pronuncia sobre questões religiosas”, lê-se na alínea 1. Mas a mesma lei também refere no seu artigo 5º o princípio da cooperação. Na prática defende que o Estado deve cooperar com as comunidades religiosas tendo em conta a sua representatividade.Igreja é local apetecível para políticosJoão Almeida, morador em Alcoentre, considera que a câmara não tem vocação para organizar cerimónias religiosas e duvida das intenções dos autarcas. “Isto tudo é por causa dos votos. Sabem que a igreja católica movimenta muita gente e querem agarrar os votos”, adianta, enquanto aguarda por familiares à porta do cemitério. “Se fosse perto das eleições, o cemitério estava cheio. Estavam cá os eleitos de todos os partidos”, acrescenta. Mas quem vem com objectivo bem definido nem se apercebe da entidade organizadora. “Não sei quem organiza, só sei que está muito bem. É muito bom para quem tem fé e sente a falta dos seus entes queridos”, diz Rosália Alves. A missa em honra dos fiéis defuntos foi presidida pelo cónego João Canilho como vem sendo hábito. Enquanto coloca os paramentos, o cónego explica a O MIRANTE que “o apoio da câmara é apenas logístico” e realça que não vê nenhum inconveniente desta parceria que contribui para o bem-estar das pessoas.Segundo o mensageiro de Deus, o facto da missa decorrer no interior do cemitério, próximo dos defuntos, tem um significado diferente. “Há uma proximidade que toca as pessoas”, adianta.Questionado sobre a redução do número de féis em relação a anos anteriores, João Canilho diz que não é significativo e regista com agrado a presença da comunidade na “celebração da vitória de Cristo sobre a morte.”.
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