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“Um grupo de forcados é uma escola para homens”

“Um grupo de forcados é uma escola para homens”

Teresa Soares é a autora do livro “Homens que pegam toiros” apresentado em Santarém

Teresa Soares é casada com um ex-forcado da Chamusca. Começou a interessar-se por esta actividade depois de conhecer o marido e de ver várias corridas de toiros, ao ponto de fazer uma tese de mestrado sobre a arte de pegar toiros. Diz que os forcados são um pouco machistas mas também respeitam muito as mulheres, em parte para lhes fazerem a corte. Considera que as touradas portuguesas têm rituais a mais e acção a menos e que as mulheres gostam de andar acompanhadas por forcados porque sentem atracção pelo poder.

Quando é que começa a ter contacto com a região e a interessar-se pela tauromaquia?Foi quando conheci o meu marido, que é natural da Chamusca e era forcado, tinha vinte e poucos anos. Comecei a conviver com os amigos dele que eram forcados no grupo dos Amadores e nasceu o interesse por acompanhá-los nas actuações. Comecei a viver a emoção de os ver na praça.O que sente quando está nas bancadas das praças de toiros?Um misto de emoções. Por um lado o medo por eles, receio que se magoem ou que não consigam o objectivo deles que é pegar o toiro, sobretudo à primeira tentativa. Depois, passado esse momento, é uma alegria muito grande. Concorda que os ribatejanos têm fama de ser marialvas, de subalternizar as mulheres?É verdade em parte. São um bocado machistas. Eles têm essa ideia de que a mulher é para ficar em casa e que o homem é que manda, mas por outro lado nutrem um grande respeito pela figura feminina. Mantêm alguns princípios de etiqueta, de cavalheirismo antigos. Tiram a boina para nos cumprimentar, deixam-nos passar primeiro, têm muito cuidado com a linguagem que estão a utilizar quando estão mulheres presentes. Isso não será uma forma de conquistarem as mulheres, de arranjarem namoradas?Também passa por isso, pelo querer agradar à mulher. Mas a verdade é que noutras zonas do país isso já não se vê. Já há mais paridade. É realmente aficionada da festa brava?Gosto muito de touradas à espanhola. Gosto muito de ver o matador. Não é pela questão de se matar o toiro ou não. É porque a tourada no país vizinho é mais elegante e emotiva. As touradas à portuguesa têm falta de rituais?Não! Têm é rituais a mais e acção a menos. Todo o ritual que envolve o cavaleiro, os cumprimentos antes e depois da lide, a volta à arena, o facto de toda a gente dar a volta, mereça ou não, faz com que a corrida seja mais monótona. Não depreciando a actividade dos cavaleiros, considero que o momento da actuação dos forcados é o momento da verdade.Identifica-se com as tradições e cultura do Ribatejo?As tradições ribatejanas estão incluídas no todo da cultura portuguesa e tenho o cuidado de passar aos alunos essas questões. Hoje falta identificar-nos com aquilo que é nosso, que nos identifica. Por exemplo: há o risco de daqui por alguns anos já ninguém saber o que é a festa da Ascensão que se comemora na Chamusca e noutras localidades. No pós 25 de Abril de 1974 começou a haver a ideia de que algumas tradições fazem lembrar os outros tempos (da ditadura), que são coisas fora de moda e para os parolos do campo. As pessoas não estão despertas para as nossas tradições que deviam ser preservadas, porque mostram o que é um povo, uma nação, uma história de muitos séculos.Sente-se mais uma ribatejana ou uma mulher da Estremadura?A zona onde nasci, Leiria, é muito incaracterística a todos os níveis, desde ausência de características de linguagem, de construção, de organização urbanística, da organização dos campos agrícolas e do que se produz. Mas é a minha zona. Para ser sincera não me sinto ribatejana. Gosto muito deste mundo, passo os fins-de-semana na Chamusca, mas o meu mundo é aquele onde nasci. Como mulher que ideia tem sobre o que leva um homem a enfrentar um toiro?Cheguei a perguntar aos forcados se eram burros por colocarem a sua vida em perigo na praça sem sequer ganharem dinheiro. Mas eles não conseguem responder. Quando comecei a estudar este mundo percebi que é uma forma dos homens mostrarem a sua virilidade, apesar de não o assumirem. Muitos conhecedores da arte da tauromaquia dizem que uma das razões por que existe forcados é a mulher que está na praça a assistir. E as mulheres gostam disso?Nós sentimos atracção pelo poder. O forcado é alguém que tem poder e tem a estima da comunidade em que vive. É o herói. E as mulheres gostam de estar acompanhadas de um homem que é reconhecido socialmente. Os grupos de forcados não têm mulheres. É uma questão de preconceito ou de força física?Em alguns treinos de forcados vi algumas mulheres a fazerem pegas por brincadeira com vacas pequenas. A prática é fechada às mulheres por questões anatómicas e genéticas. O ser feminino é frágil e a nossa compleição física não se compadece com as pancadas dos toiros no peito e na zona do útero. Mas na vivência diária o mundo da forcadagem não é fechado às mulheres que têm um papel muito importante, porque são quem dá o apoio ao filho, ao marido ou namorado, quem lhes prepara a farda…Como é que vê as manifestações anti-touradas?Respeito-as. Mas quem é anti-tourada não conhece o que está por trás do espectáculo. Como sejam os rituais ancestrais, embora tenha mudado a forma de os apresentar, de os praticar.A tauromaquia está em risco de desaparecer?Tinha a ideia que esta área estava a caminhar para se desagregar. Mas uma das constatações a que cheguei, analisando as estatísticas dos últimos 30 anos, foi de que por exemplo aumentou o número de grupos e o número de forcados.No seu livro fala da religiosidade na tauromaquia. O que é que espetar um toiro ou pegá-lo tem de religioso?Se calhar não tem muito que ver com a religião institucionalizada, com dogmas. Mas tem a ver com a religiosidade popular, com o que é mágico. Ou seja, na religião institucionalizada há um ser superior a quem se pede protecção. E na magia é o acto que se faz que dá protecção, como o de se benzer antes de entrar na praça. Tem a ver com o culto ao toiro. A primeira vez que entrou numa praça não ficou incomodada a ver o toiro a ser picado?Nasci numa aldeia e sempre vi cortar o pescoço às galinhas. Para nós a matança sempre foi um momento de festa e não me faz confusão. Nesta nossa nova civilização queremos tudo muito arrumadinho e parece que já não há morte. As pessoas não levam os filhos ao cemitério. Parece que a morte não existe, mas ela é real. Não levam os filhos às touradas porque podem ver o sangue. Isto faz parte da vida. Nascer é natural e morrer também. Picar o toiro não é um acto bárbaro?É e de certeza que dói ao toiro. Se levarmos uma vacina também sentimos dor. Há alguns anos a medicina não era tão avançada e as pessoas para tirarem a dor daqueles que sofriam muito ou estavam às portas da morte sangravam-nos. O sair o sangue dá um alívio físico. O toiro quando entra na praça está num grande estado de agitação e quando é picado e sai o sangue ele fica num estado de acalmia. Porque é que escolheu estudar esta área?Porque há pouca coisa escrita sobre forcados. Porque tinha muitas dúvidas e muitas perguntas por esclarecer. O forcado é o parente pobre da tauromaquia?Isso vê-se até nos rituais da corrida. O cavaleiro é que entra primeiro na praça. O forcado só dá a volta de agradecimento se o cavaleiro for. É o que tem os trajes pobres. É o parente pobre apesar de o forcado ser muito apreciado pelo público.Os forcados também têm a imagem dos arruaceiros, que bebem uns copos, que se excedem…Isso não é por serem forcados é porque são homens como os outros que também bebem copos. Mas penso que a essência do forcado não passa por isso. Aliás há um código de valores em que os elementos novos que não têm princípios de educação e etiqueta têm que os aprender para se saberem comportar onde vão.Que valores são esses?A defesa da honra pessoal e colectiva, a bravura, a valentia, a força e a virilidade. Um toureiro da Chamusca dizia que para se ser toureiro era preciso andar direito e bem vestido. Um grupo de forcados é uma escola para homens. Aprendem a ultrapassar as dificuldades, ajudam-se mutuamente, a serem responsáveis.Um trabalho de pesquisa de dois anosNa introdução do livro a autora explica que acompanhou treinos do Grupo de Forcados Amadores da Chamusca, que esteve presente em diversas corridas e participou em convívios do grupo durante as quais recolheu diversas informações. Durante o tempo que acompanhou os forcados estudou os seus comportamentos e atitudes e efectuou várias gravações de áudio e vídeo. Foram feitas entrevistas a forcados antigos e actuais, questionários. Teresa Soares diz que conseguiu aperceber-se das motivações iniciais para a formação em 1974 do grupo da Chamusca, de onde é natural o marido, estabelecendo uma comparação com o momento actual. A obra está dividida em duas partes. Primeiro fala-se das primeiras relações que o homem estabeleceu com o toiro. Bem como de que forma se mantiveram os cultos e os ritos em manifestações das tradições populares. Na segunda parte faz-se a análise exaustiva dos Amadores da Chamusca, relatando-se como funciona o grupo, quais as suas vivências, valores e crenças. O trabalho demorou mais de dois anos. Teresa Soares espera que este livro venha contribuir para a etnologia portuguesa e que traga novos conhecimentos à tauromaquia e aos aficionados. Ao longo das 241 páginas fala-se do toiro, do aparecimento do forcado, as influências do profano e do religioso, os grupos da actualidade, os vários tipos de pegas, a influência do meio familiar na actividade dos forcados, o enfrentar o perigo e a morte, entre outros.A professora que se apaixonou pela tauromaquiaTeresa Soares nasceu em Leiria em 1968 e é licenciada em Línguas e Literaturas Modernas. Dá aulas num projecto de educação de adultos na Escola Secundária da Batalha. Em 2006 concluiu o mestrado em Estudos Portugueses, Culturas Regionais Portuguesas em 2006 no qual estudou a actividade dos forcados, baseando-se em grande parte no Grupo de Forcados Amadores da Chamusca. Trabalho esse que originou a publicação do livro “Homens que pegam toiros”, editado pelas Edições Cosmos, editora que tem sede na Chamusca. O livro foi apresentado na sexta-feira, dia 7, na Casa do Brasil, em Santarém. Numa cerimónia onde participaram diversas pessoas ligadas à tauromaquia, a presidente da Junta de Freguesia da Chamusca, Aurelina Rufino, e o vereador da câmara, Francisco Matias. O vereador António Valente, da Câmara de Santarém, também esteve presente. A autora apaixonou-se pelo mundo da tauromaquia quando começou a acompanhar o marido, ex-forcado, que ia ver o seu grupo a pegar em diversas praças do país.
“Um grupo de forcados é uma escola para homens”

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