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Na sombra da festa brava para servir os protagonistas

José António Pinto é embolador de toiros há 34 anos em Santarém

José Pinto sente paixão pelos toiros desde miúdo. Quando fugia da Escola de S. Bento para ver passar as manadas de toiros nas azinhagas de Santarém.

José António Pinto tem muitas estórias da festa brava para contar. Ou não fosse embolador de toiros há 34 anos. “Pinto Embolador”, como é conhecido, faz as embolas. As protecções de cabedal com interior em aço reforçado e um cordel para atar na córnea do toiro que protegem os protagonistas das corridas – cavaleiros e cavalos, forcados, toureiros apeados e peões de brega. Da sua actividade faz parte ainda a construção das farpas e bandarilhas para os artistas. É no mesmo local onde nasceu, em Casais de Alagoa, por detrás de Escola Superior Agrária, que José Pinto tem a sua oficina. Numa pequena divisão guarda todos os apetrechos do ofício. As embolas são feitas de cabedal espesso e resistente que adquire em Riachos. As peças são cosidas à mão. Ao adquirirem a forma do corno do animal, encaixa-se à pressão no interior um copo em aço reforçado. O espesso cordel de linho dá as ataduras necessárias. Dentro dos curros, e após sorteio dos toiros que entram na arena, é a vez de Pinto Embolador entrar em acção. O toiro entra na manga de embolar, espaço com paredes estreitam os seus movimentos. Com a mão esquerda na cabeça do toiro, Pinto sente o animal e prevê os seus movimentos. Com a mão direita encaixa as embolas com o auxílio de um ajudante. As pontas dos cornos do toiro são cortadas para que fiquem com o mínimo de 12 milímetros de espessura. Em décadas na arte de embolar apenas um toiro se desembolou. “Foi na praça da Nazaré já depois de ter sido lidado. Foi um desgosto”, diz quem já embolou milhares de toiros.Apesar do animal estar controlado na manga, com uma tranca por cima, José Pinto não evitou alguns sustos. Na praça da Nazaré sofreu uma forte pancada. O animal baixou a córnea e teve folga suficiente para dar uma cornada para cima que lhe entalou os “países baixos”. “Foi uma situação muito dolorosa”, confessa com um sorriso.Farpas e bandarilhas com toque de Itália As paredes da sala de trabalho de José Pinto estão repletas de farpas e bandarilhas, objectos principais das corridas de toiros. É ali que monta tudo. Ferros compridos (130 cm), curtos (80 cm) e de palmo (mais de 20 cm). Começa por escolher a madeira (sempre pinho) que é limpa. Num dos topos cola a barbela, o bico em ferro em formato de arpão. Cerca de um palmo abaixo dá um golpe em torno da madeira que irá ceder na altura em que o ferro é cravado. O papel cintilante que adorna as farpas varia conforme as cores dos cavaleiros. O papel é importado de Itália, de tipo acetinado e de grande sensibilidade. Em tiras de metro, José Pinto corta várias faixas. Os efeitos rendilhados são trabalhados com tesoura. O gesto é repetido milhares de vezes. Tantas vezes Pinto Embolador trabalhou com farpas que um dia espetou-se a sério. Uma escorregadela do escadote e mãos e braços ampararam a queda sobre os arpões das farpas que estavam em riste. Dois arpões ficaram atravessados num braço e um terceiro no outro. “Consegui ainda cortar a madeira e pedi ajuda para me levarem às urgências do hospital. Apareci lá de calções e em tronco nu com as barbelas espetadas nos braços perante o olhar dos utentes”, recorda. Para os médicos a situação também foi nova. Um dos ferros até teve de ser cortado com recurso a serralheiro e rebarbadora.José Pinto sente paixão pelos toiros desde miúdo. Quando fugia da Escola de S. Bento para ver passar as manadas de toiros nas azinhagas de Santarém. Ou quando eram conduzidos à antiga praça de toiros, na zona onde é hoje a Direcção de Finanças. Mas desenvolveu outras actividades. Foi relojoeiro em duas casas da cidade. “Mas não tinha paciência para tratar de peças tão pequenas e minuciosas e de estar trancado numa loja”, recorda.Em 1968 era moço de curros e ajudante de embolador junto do seu mestre Martinho Migueis Jorge. Tornou-se embolador encartado em 1974 perante testemunhas como Gustavo Zenkl e David Ribeiro Telles, entre outros. Deu uma perninha como toureiro mas apenas nas tentas. Não tem cavaleiro preferido. Entre os forcados elege os Amadores de Santarém e Rhodes Sérgio como os melhores. Na Nazaré está a sua praça predilecta. “Há sempre espectáculo, com grande calor humano e grandes corridas”, sustenta. Conde Cabral é a sua ganadaria preferida. Na tertúlia de casa guarda recordações. Fotos e desenhos seus em acção nas praças mas também dos protagonistas da festa. Uma imagem de Celestino Graça, a foto em que oferece uma bandarilha a Amália, fotos de toureiros e forcados enchem as paredes. E não falta a córnea de um toiro. Este ano José Pinto fez cerca de 40 corridas. Prestes a completar 69 anos (no domingo, 16 de Novembro), Pinto Embolador aponta as 70 primaveras como meta para se reformar. “Às vezes tento, mas não consigo deixar de trabalhar”, conclui.

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