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Há uma cultura de incumprimento das leis laborais

Há uma cultura de incumprimento das leis laborais

Pedro Pimenta Braz é responsável pela Autoridade para as Condições de Trabalho no distrito de Santarém

Responsável pela delegação distrital da Autoridade para as Condições do Trabalho, “promessa” do PS de Santarém, católico militante. Três facetas de Pedro Pimenta Braz abordadas nesta entrevista, onde explica porque deixou a liderança da bancada socialista na assembleia municipal. Aos 43 anos, casado, três filhos, confessa os erros com a mesma naturalidade com que assume convicções.

A delegação de Santarém da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) tem os meios necessários?Neste momento a autoridade não tem os meios que deveria ter para desempenhar a sua função. E assumo isso. Esse não é um problema da delegação de Santarém, é um problema da ACT em todo o país. Refere-se ao número de inspectores…Aos inspectores e ao pessoal administrativo, área na qual algumas pessoas têm vindo a aposentar-se e não tem entrado para os seus lugares, proporcionalmente, o mesmo número de pessoas. Precisava de mais quantos inspectores para o distrito?No mínimo o dobro dos que tenho neste momento, que são 13.Isso tem implicações ao nível das infracções por parte das empresas? Podíamos ter 50 inspectores, mas sem a colaboração da sociedade civil, sem uma cidadania activa, o grau de cumprimento podia ser maior mas nunca seria aquele que nós desejávamos. Ou seja, sem uma estrutura de funcionamento em rede quer do Estado quer das empresas, sindicatos e associações empresariais, nós não conseguimos caminhar para um nível de cumprimento que consideramos bom. Isso não quer dizer que com mais meios não pudéssemos dar um impulso.A sociedade civil não colabora?Há uma cultura de incumprimento no enquadramento laboral. Há grandes empresas que trabalham bem e são um exemplo, com paz laboral e social. Em termos de pequenas e médias empresas (PME), e isto trespassa todos os sectores, há uma cultura de facilitismo e incumprimento da lei. As autarquias são cumpridoras?No distrito temos de tudo, por exemplo ao nível das obras públicas em que as autarquias são as donas de obras. Tivemos recentemente uma reunião com as autarquias para as tentar cativar para o nosso lado. Se todas colaborarem temos sinergias fantásticas. E quando isso não é feito é uma guerra. E de facto há algumas autarquias que são uma guerra no distrito de Santarém. Há outras que colaboram, mas isso não quer dizer que sejam imaculadas. O actual código de trabalho que está para ser substituído é demasiado severo?Este código está longe de ter sido aproveitado na sua plenitude. Muito do seu articulado não era aproveitado na gestão das empresas e dos direitos dos trabalhadores.A questão dos horários é a que dá mais trabalho aos inspectores?Quando entrei em 1996 para a Inspecção-Geral do Trabalho lembro-me de me terem dito que íamos entrar nas questões de segurança e que as questões dos horários de trabalho eram para dirimir entre as partes e que iam desaparecer. Estamos em 2008 e é de longe o maior incumprimento que encontramos. E com o novo código do trabalho adivinho que vai permanecer ou intensificar-se. Como é que vos chegam ao conhecimento as situações?Actuamos com base num plano anual, que tem que ser compaginado com as reclamações que nos chegam. De longe a maior parte são reclamações individuais, de trabalhadores e sindicatos. Os hipermercados são apontados como os principais incumpridores dos horários de trabalho…Não digo que não exista essa intensidade de trabalho nos hipermercados, mas neste momento essa situação estende-se a todos os sectores de actividade. Como inspector rio-me muito das estatísticas da União Europeia ou da OCDE que por vezes surgem e que dizem que Portugal é dos países em que se trabalha menos na Europa. Isso é impossível. O grande problema com que nos confrontamos é o excesso de horas de trabalho. Quais são as áreas de actividade mais críticas nessa questão?O comércio, restauração, hipermercados, serviços de segurança. Actualmente não há um sector que se destaque. Como inspector como é que vê o facto de haver médicos que fazem 24 horas de serviço nas urgências?A saúde tem uma tipologia de horários de trabalho especial. É um sector específico. E não são situações específicas de Portugal. Acontecem por toda a Europa. Há soluções que devem ser encontradas em primeiro lugar pelas partes em sede de negociação colectiva. E nós temos ainda uma negociação colectiva extremamente incipiente. Não há situações de segurança que estão em causa quando os horários são muito alargados?Em termos gerais, uma das questões que nos leva a incidir muito nos tempos de trabalho tem a ver com a segurança dos trabalhadores. Diz-nos a experiência que a sinistralidade grave ou mortal está muitas das vezes ligada ao excesso de trabalho. Por exemplo na construção civil…Há mínimos que a lei não permite e que achamos que são sobre-humanos. Para uma pessoa que trabalhe 11 horas todos os dias o risco de acidente de trabalho, sobretudo em actividades de risco elevado, é grande. Os acidentes de trabalho graves têm que ser comunicados à Autoridade para as Condições de Trabalho. Há empresas que ainda tentam escapar a essa notificação obrigatória?Ainda há. Vai sendo menos mas ainda é frequente. Às vezes é por ignorância, mas muitas vezes recebemos comunicações passados meses dos tribunais, dos hospitais, ou da PSP ou GNR e descobrimos que não nos foi comunicado. Estes tempos de crise são propícios a incumprimentos?Sobretudo ao nível das relações laborais, dos ordenados em atraso que é um cancro que é inadmissível e que tem vindo a crescer no distrito. Quanto aos acidentes de trabalho, as preocupações colocam-se sobretudo em obras públicas que aumentam em anos de eleições. Como é que as vossas “vítimas” lidam com as inspecções? Já foram maltratados?Verbalmente sim. Fisicamente tivemos um caso há uns anos. Se a acção inspectiva não pode decorrer por via disso há um recuo estratégico e depois aparecemos com a autoridade policial. Quem está a ser inspeccionado está com a adrenalina elevada, mas quem vai inspeccionar também vai com a adrenalina no máximo.“O PS não tem sido uma oposição à altura em Santarém”O seu nome foi apontado como uma das promessas do PS de Santarém desde o início desta década. Entretanto saiu da linha da frente da luta política. Porquê?Na vida há sempre tempo para tudo. Para estar e para não estar. Saí porque me pareceu que o modo de fazer oposição que defendia não era o mais aceite pela maioria dos meus camaradas. Com isto não estou a dizer que tenho razão. Mas havia posições diferentes em determinados assuntos para as quais, com o meu feitio, não consigo ter o tal jogo de cintura que se calhar alguns camaradas meus conseguem. Que forma de oposição é essa que defende?Frontal, rigorosa e sistemática.Considera que a actual oposição do PS não reúne essas características?Pelo menos enquanto estive na assembleia municipal não se fez oposição com a frontalidade e, se calhar, com a dureza que algumas circunstâncias aconselhavam. Mas houve tomadas de posição fortes do PS, designadamente na assembleia municipal. De diálogos muito duros com o presidente da câmara, o chumbo do empréstimo para obras na Ribeira de Santarém…Nessa altura ainda lá estava e era líder de bancada. Nessa circunstância percebi que a maioria dos meus camaradas não concordou. Gosta das coisas claras.Claríssimas como a água. Depois daquilo percebi que a solidariedade não era assim tão grande…Acha que o PS não tem sido uma oposição à altura?Acho que não tem.Que pontos é que, na sua perspectiva, se poderiam explorar?A oposição não tem de ser feita por tudo e por nada. Mas há questões, como a da saída do vice-presidente da câmara, em que houve um silêncio ensurdecedor que não percebo. A saída das Águas do Ribatejo é outro assunto que não percebo por que não se fala. Rui Barreiro é um dos nomes que surge numa sondagem do PS como putativo candidato à Câmara de Santarém. Acha que tem condições para ser novamente candidato?Fazendo um preâmbulo: acho que o candidato do PS deverá sair sempre da comissão política concelhia. Quem quiser, em vez de andar com questões sibilinas a lançar nomes deve fazê-lo nos locais próprios.Não concorda com a realização da sondagem?Não concordo porque as sondagens são uma democracia directa que não tem consequências na análise formal de candidatos. E limita a escolha. Quem diz que não poderá haver outros candidatos fora dessa sondagem? Até candidatos independentes. A sondagem desresponsabiliza as pessoas e inibe a discussão interna. Quanto a uma hipotética candidatura de Rui Barreiro?Acho que seria extemporânea. Mas ele é que terá de fazer essa análise, como é óbvio.E relativamente a José Miguel Noras, outro ex-presidente de câmara que figura na mesma sondagem?A mesma coisa. São pessoas que já deram muito à cidade e continuam a dar. José Miguel Noras pegou no partido numa situação muito complicada, e quero fazer-lhe essa homenagem, mas acho que ambos seriam extemporâneos em termos de candidatura. Agora, se o quiserem devem fazê-lo no local próprio.Qual é o perfil que defende para o candidato do PS à Câmara de Santarém?Ter vontade e fazer um combate frontal, com muito trabalho e sistemático. Convém que seja alguém descomprometido com o passado recente?Pode ser ou não. Pode ser alguém relacionado com esse passado e que assuma os seus erros e virtudes. Não podemos ir buscar ninguém a Marte...E a Lisboa?Tudo é possível.Idália Moniz pode ser uma boa opção?Aí não seria extemporâneo. Está a fazer um trabalho fantástico no Governo, mas não vou dizer que sim ou que não. É um quadro do concelho que toda a gente reconhece. Mas será cedo para o partido estar a dizer que é A, B ou C… É cedo?Não somos só nós. Somos nós e os outros. E perante o pseudo-tabu que existe do lado do dr. Moita Flores…Acredita nesse tabu?Não. Mas há formalmente um tabu político. Há uma gestão do tempo. Acho que é cedo para lançar o candidato. Mas não é cedo para se trabalhar nisso. Esse trabalho já deve estar mais do que meio feito. As pessoas já devem ter sido contactadas para saber da sua disponibilidade. Mas anunciar o nome, só depois do Natal.O seu nome, até há pouco tempo, era indicado como um dos possíveis candidatos a candidato à câmara. Se não no imediato, pelo menos a médio prazo.Nestas eleições não faz qualquer sentido falar disso perante tudo o que acabei de dizer.“Não soubemos fazer a transição” de Noras para BarreiroEm 2001 foi um dos estrategas da candidatura de Rui Barreiro à Câmara de Santarém, em detrimento de José Miguel Noras.É verdade. E assumi a minha responsabilidade. Acho que não o fizemos da melhor maneira.Foi uma espécie de golpe de Estado interno...Golpe de Estado não, porque houve uma votação. Havia um desgaste muito grande do executivo camarário de então, que era óbvio, e nós internamente não soubemos fazer a transição. Tanto os que apoiavam Rui Barreiro como os que apoiavam José Miguel Noras.E o PS perdeu muito com isso.Claramente. Devia ter existido bom senso, desde logo da minha parte, para se tentar fazer uma transição pacífica. Com pontes. O anterior mandato desiludiu-o?Não. Foi um mandato com falhas, com coisas negativas, mas de grande esforço em que o trabalho e as obras não foram bem evidenciados. O que me revolta é ouvir dizer que não foi feito nada. A forma como entraram no início do mandato passado, quebrando contratos e protocolos com várias entidades criou também um clima de crispação que não terá favorecido a vossa acção.Com certeza. Na altura não estava por dentro, pois ainda não era vereador, mas depois vim a saber dessas questões. Provavelmente podia-se ter dialogado de outra maneira. E aí, volto a dizer, houve muita cobardia pois quando Rui Barreiro perdeu as últimas eleições muita gente desapareceu. E a responsabilidade sendo do Rui não foi só dele. Está a falar de que pessoas?De gente que trabalhava com ele, que tinha responsabilidades com ele. Algumas dessas medidas resultaram de discussões internas. Foi, aliás, o que se fez ao José Miguel Noras também. As pessoas não têm costas para ficar com todas as responsabilidades do mundo sabendo que à volta delas gravitaram dezenas de pessoas. E ainda está muita história por escrever relativamente a essa matéria.“O meu modelo é Jesus de Nazaré”É católico militante. Como viu o apoio do PS à nova lei do aborto?Muito mal. Os jovens do PS estão de medida fracturante em medida fracturante a fracturar a sociedade. No meio de tantos problemas, vejo muito mal a aposta nessas medidas. Por vezes torna-se difícil acumular essas duas militâncias?Não se torna nada difícil, pois para mim as coisas são claras: primeiro está a minha consciência. A participação e cidadania vêm a seguir. Sou de esquerda, social-democrata cem por cento, porque o socialismo não é uma ideologia democrática. Ficou na toponímia partidária, mas a social-democracia é o que defendo. Com um Estado forte. Gosto de pagar os meus impostos e acho que devia pagar mais. Como vê o casamento entre pessoas do mesmo sexo?Sou contra. Acho que civilmente o Estado pode regular essa situação, aliás já o faz com as uniões de facto, mas chamar a isso casamento é dar uma mensagem para a sociedade que desvirtua o direito natural. E o direito natural é duas pessoas de sexo diferente juntarem-se para formar família. Mas não estou a dizer que as pessoas devem ser discriminadas. O que representa Deus para si?Tudo. O meu modelo é Jesus de Nazaré. “Paulo Fonseca não devia acumular cargos”Como é que vê o unanimismo gerado em torno do novo líder distrital do PS, Paulo Fonseca? O PS está no poder em termos nacionais e ficaria muito surpreendido se tivessem aparecido três ou quatro listas ao congresso. Não me surpreendeu o unanimismo, entre aspas. Além disso vamos ter três eleições para o ano…Os críticos também preferirão não se expor, por causa dos lugares nas listas. Afrontar o líder é sempre um risco.Se pensam assim estão errados. Isso pode acontecer, é a hipocrisia da política. Concordo com o facto de não se exporem agora, porque um confronto poderia criar divisões, rupturas. Compreendo se for por uma questão de coesão interna. Isso estrategicamente está correcto.Paulo Fonseca acumula funções de governador civil de Santarém e de líder distrital do PS. Como analisa esse facto?Não concordo. Acho que ele tem feito um trabalho muito bom como governador civil. É uma evidência, até dadas as atribuições que tem. Mas não deveria acumular cargos, porque não estando nada na lei acho que eticamente não se justifica. E pode levar ao próprio enfraquecimento da missão dele quer como governador civil quer como líder distrital do PS.
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