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Alunos da Cercitejo preparam-se para mercado de trabalho em estágios profissionais

Alunos da Cercitejo preparam-se para mercado de trabalho em estágios profissionais

Formação permite contratação pelas empresas

São jovens que trazem no rosto a ambição de ter trabalho num mundo onde quem tem dificuldades em aprender é discriminado. Lina e Elquéni frequentam os estágios de formação profissional promovidos pela Cercitejo e sonham com um futuro “normal”. O MIRANTE foi conhecer os locais de trabalho de quem tem que lutar para aprender uma profissão.

Lina tem 17 anos e fala com o sorriso tímido de uma típica adolescente. “Embalo os rádios e GPS para fora, recebo os aparelhos para reparar. É preciso fazer as etiquetas, a guia de transporte, introduzir os códigos”, explica a jovem, que iniciou há dois meses um estágio de formação profissional numa empresa de reparação de auto-rádios e GPS, localizada na freguesia de Forte da Casa, concelho de Vila Franca de Xira. A mais recente estagiária da FHI Technical Services é aluna da Cercitejo e em menos de dois meses, passou das instalações da instituição para o trabalho na empresa tecnológica. Lina é uma das 19 participantes nos cursos de formação promovidos pela cooperativa de educação em conjunto com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Lá fora completou o nono ano através dos currículos alternativos, mas como as opções profissionais não chegaram inscreveu-se na Cerci. A jovem, que já passou por uma experiência na área da hotelaria e outra na educação de infância diz querer “continuar a trabalhar em informática” após o final do estágio, que chegará nos últimos meses de 2009. Lina, que se mudou recentemente da Calhandriz para Vila Franca de Xira, reside em casa dos pais, mas desde o início do estágio que tem ideias bem definidas. “Quando terminar, quero ter trabalho e arranjar uma casa. Só quero ter uma vida normal!”, confidencia a O MIRANTE. Vera Flores, presidente da Cercitejo, sediada no Bom Sucesso, Alverca, admite que Lina é um dos casos de jovens com dificuldades de aprendizagem que “estão na instituição por falta de alternativas”. A responsável garante que “para o ensino secundário não vai, mas numa escola profissional também não conseguiria acompanhar o ritmo das aulas”. A cooperativa de ensino especial é a solução para dezenas de adolescentes e jovens adultos, rumo à oportunidade de aprender uma profissão. À entrada na cooperativa de ensino segue-se um período de “despiste” em que são avaliadas as aptidões dos jovens. Para os menos qualificados, a solução é o Centro de Actividades Ocupacionais (CAO), de onde apenas alguns transitam para a formação profissional. Aos mais adaptáveis, a entrada no mundo do trabalho é feita pelos estágios em empresas do concelho, com possibilidade de serem contratados após a formação. Elquéni está a meio do seu percurso. O jovem, de 23 anos, trabalha há dois na oficina “Paulo & Oliveira”, em Alverca. “Quando a minha mãe soube que vinha para aqui, ficou radiante”, garante. O trabalho de auxiliar de pintura automóvel e bate-chapas começa logo pela manhã, cerca das 8h00, e só é interrompido para almoço. Ao fim do dia, o jovem regressa a casa, na Póvoa de Santa Iria, para “lanchar, ver televisão, e ficar a descansar”. Na escola da Cercitejo, onde esteve na fase inicial da formação, Elquéni disse o que queria fazer no futuro. “Gosto mais de desenhar e pintar no papel. E um dia queria trabalhar nisso, mesmo como profissão”, confessa. A pistola de tinta e os automóveis foram o seu prémio de consolação, que vai durar até 2010. Na mesma oficina, um antigo aluno da Cercitejo trabalha nas mesmas funções que Elquéni desempenha, mas como profissional com 18 anos de experiência no ramo. E um salário igual ao dos colegas. Os estágios profissionais promovidos pela Cercitejo desde 1990 garantem aos alunos da instituição uma experiência em que “as horas a ouvir sobre Matemática, Português e História são substituídas pela oportunidade de aprender muitas coisas, a trabalhar e a conviver com profissionais”, explica Vera Flores. Este ano, apesar dos cortes nos fundos comunitários que levaram à redução da formação de quatro para dois anos, os alunos continuam a ser integrados nas empresas. A remuneração, cerca de 40 euros mensais, mais subsídios de transporte e alimentação, garante a motivação dos formandos, que “passam a ter despesas próprias e responsabilidades”, garante. As empresas do concelho, refere a responsável da Cercitejo, “estão atentas e em alguns casos são elas que nos pedem estagiários”. Miguel Cortes, sócio-gerente da empresa onde Lina estagia, foi um desses casos e explica porquê. “Temos duas pessoas no quadro com deficiência, e uma delas é sócia. As diferenças de produtividade são muito ténues, a dedicação é até um pouco superior. O mais importante é serem tratadas como pessoas iguais às outras”. Sem financiamento à vista A realização dos estágios de formação profissional organizados pela Cercitejo é comparticipada com fundos europeus. É através das verbas provenientes da União Europeia que são pagas as bolsas de estágio aos alunos da instituição. O corte no financiamento ditou a redução dos estágios de quatro para dois anos. A comparticipação, que corresponde a cerca de 10 por cento do Indexante dos Apoios Sociais (cerca de 407 euros em 2008) foi reduzida em relação a 2007 e tem fim previsto para 2013. “Se pensarmos no que vai acontecer daqui a quatro anos, enlouquecemos. É difícil fazer previsões. Somos gratos pelo que temos e não avançamos com projectos megalómanos”, adianta Vera Flores, presidente da Cercitejo. Ao nível das empresas, o corte de fundos já aconteceu o ano passado. O subsídio de 121 euros por formando deixou de ser atribuído e a redução na duração dos estágios “vai dar menos hipóteses aos formandos”, garante Adélia Oliveira, sócia-gerente da oficina Paulo Oliveira, onde está um dos alunos da Cercitejo. No final dos dois anos, “a empresa vai ter de lhes pagar pelo menos o ordenado mínimo. As empresas dão a formação por querer ajudar e disposta a integrar mais estagiários. Agora, trabalhadores é complicado”, conclui.“Tiveram o azar de ser sinalizados”Vera Flores garante que “seja em que dia for, entrar na sala de formação profissional é uma experiência igual à de espreitar uma sala de aulas de qualquer escola”. As instalações onde os alunos da Cercitejo são preparados para os estágios profissionais estão cheias de alunos com uma aparência tipicamente “normal”. “Muitos estão cá porque tiveram o “azar” de serem sinalizados. Numa aldeia de um ponto longínquo do país, algumas das nossas alunas seriam já raparigas casadoiras, com um emprego numa fábrica e muitos pretendentes. Como estamos em Vila Franca de Xira, a malha de sinalização e a competição na escola são outras”, afirma a responsável. Os alunos que chegam à Cercitejo sofrem de dificuldades de aprendizagem que se manifestam em problemas que vão das deficiências mentais profundas ao “leve atraso cognitivo”. São conhecidos casos de vários alunos integrados, com trabalho, que constituíram família. “O mais difícil é trabalhar a auto-estima dos pais, que têm o estigma da instituição. Têm muitas expectativas quando os filhos nascem, e depois vêm tudo a mudar”. O trabalho de recuperação é diário. “Somos gratos com o que temos”, remata. A estreia de Sara Os estágios de formação profissional da Cercitejo e o Instituto de Emprego e Formação Profissional continuam em marcha apesar dos cortes financeiros. Sara começou na terça-feira, dia 3 de Dezembro, e é a mais recente aquisição da Biblioteca Municipal da Quinta da Piedade. A aluna estava em valência educativa e teve a sua oportunidade, depois de o estágio ser aprovado na última reunião de Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. O trabalho, que começa com uma apresentação, vai-lhe permitir, ao longo de dois anos, aprender a organizar livros, transportá-los para os locais certos e ser uma ajuda preciosa para as técnicas de biblioteca. Vera Flores, presidente da Cercitejo, garante que a experiência profissional é “um oásis” para os formandos. Sara saberá em 2010 se a espera o mercado de trabalho ou o “deserto”.
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