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“Ajudamos quem precisa e criamos emprego e riqueza”

“Ajudamos quem precisa e criamos emprego e riqueza”

Manuel Martins gere um orçamento de cinco milhões na ABEI

É o rosto da solidariedade social no concelho de Vila Franca de Xira. Manuel Martins é o presidente da associação que congrega 28 instituições que movimentam 25 milhões de euros anuais, empregam duas mil pessoas e apoiam 12 mil famílias. Números frios para um homem sensível que gere com o coração uma instituição que acolhe mil crianças. Num ano de crise a ABEI tem sete projectos em marcha e vai empregar mais 60 pessoas.

Quando é que descobriu a vocação para ajudar os outros?Sempre gostei de ajudar quem precisava e de repartir com os outros. Depois do 25 de Abril integrei vários movimentos associativos, mas já tinha a vocação para as causas públicas. Em 1983, fui convidado a integrar uma comissão de pais na Associação de Bem-Estar Infantil de Vila Franca e já cá estou há 25 anos.Quando aceitou ser vogal da direcção, imaginou esta caminhada?Não. Ninguém acreditava que pudesse atingir esta dimensão. Eu sempre disse que não sabia gerir, mas as pessoas acreditaram em mim e tive bons colegas. A primeira experiência que tivemos foi marcante. Organizámos um espectáculo para angariação de fundos com o Fernando Pereira e o Carlos Miguel, o “Fininho do Concurso 1 2 3”, e tivemos que montar e desmontar tudo num tempo recorde no pavilhão do Cevadeiro porque havia lá treinos e jogos todos os dias. O dinheiro reverteu para a ajuda na compra do primeiro autocarro. Foi um grande incentivo para continuar a obra porque mostrámos a força da dedicação.Nessa altura a ABEI era uma creche de pequena dimensão e sem grandes condições?Estávamos numa vivenda e num apartamento sem as melhores condições, mas fomos melhorando e crescendo até chegarmos aqui à Quinta dos Bacelos (Vila Franca) em 2001 e depois de dois anos de obras.Montar uma creche e jardim-de-infância, num monte, longe do centro da cidade, não foi bem aceite? Pouca gente acreditava neste projecto porque estávamos longe de tudo. Eu acreditei e mais gente da direcção acreditou. Sabia que iríamos conseguir. Na altura tivemos muitas dúvidas e receios. O tempo veio dizer que estávamos no bom caminho e hoje temos mil crianças e não temos mais porque não há capacidade.A dimensão deste projecto obrigou a uma gestão a tempo inteiro. Deixou o lugar que tinha na EDP e assumiu ser gestor desta casa?Quando vim para a direcção, fui colocado em Sines e estive lá cinco anos. Mas vinha todas as semanas a Vila Franca para cuidar da ABEI. Trabalhava por turnos, trocava com um colega e fazia turnos seguidos para conseguir vir cá acima orientar a instituição. Foi uma época difícil, mas que superei.Optou por deixar a central termoeléctrica e fazer o que lhe dá mais prazer.Fui convidado para ficar a gerir a ABEI como director executivo e optei por sair da EDP, aproveitando a oportunidade de reestruturação. Não me arrependi porque gosto do que faço e sinto que sou útil a esta causa.Isto não é um emprego, é uma missão remunerada?Nestes nove anos como director executivo nunca dediquei menos de 8 horas por dia à ABEI, mas normalmente trabalho 12 horas por dia. Sou o director geral, mas costumo dizer que faço tudo e com o maior prazer e às vezes sou o presidente.O mundo das crianças onde vive compensa a distância dos netos que estão na América?É muito bom lidar com tantas crianças e tão diferentes. Eles são o futuro e é interessante observar os seus comportamentos e formas de estar. Aprendo muito com eles. Temos aqui uma grande família que vive intensamente o que faz. A ABEI também está preocupada com a terceira idade?Estamos muito preocupados com todos os problemas sociais que afectam as pessoas. Temos em projecto a construção de um lar nas Cachoeiras agregado a uma pequena creche e de uma unidade de cuidados paliativos na Quinta da Coutada.Com os sete projectos que têm em marcha, a ABEI vai criar mais emprego e riqueza para a região?Estimamos empregar mais 60 pessoas com a abertura dos novos equipamentos e alargaremos o nosso círculo de fornecedores onde privilegiamos as empresas e o comércio da região. Só quando há concursos públicos é que somos obrigados a aceitar as empresas que concorrem mesmo que não sejam de Vila Franca.Quantas pessoas empregam nesta altura?Temos na instituição 194 pessoas, mas até Junho teremos 260 pessoas. Não vamos acabar com o desemprego mas temos dado uma boa ajuda. Empregamos essencialmente pessoas com dificuldades que precisam muito do salário que aqui auferem. No próximo ano, o senhor vai gerir um orçamento de 4,8 milhões de euros. Como é possível, não sendo um gestor nato?Quando aqui cheguei trabalhava como operador de tratamento de águas na EDP, não sabia nada de gestão. Aprendi aqui com humildade e com a ajuda dos funcionários, dos colegas e das pessoas que fui conhecendo. O importante é termos vontade de aprender e humildade. Todos aprendemos uns com os outros e eu aprendi muito na ABEI. Tudo o que sou hoje em termos pessoais agradeço a esta instituição.Nunca imaginou que iria mudar a sua vida por causa desta causa?Não me passava pela cabeça que viesse a mudar de profissão e para uma situação destas. Tive a sorte de ter uma família que me incentivou e ajudou a abraçar este desafio. Nós dedicamo-nos muito aos outros e esquecemos os nossos. Eles souberam perceber as minhas motivações. Ainda gere com o coração ou é mais racional?É lógico que tenho que tomar algumas medidas que me custam para aguentar este barco, mas continuo a gerir com o coração. Quem está nestes lugares tem de ser sensível aos problemas das pessoas. Todos os dias, há situações complicadas e temos de tomar decisões difíceis.A solidariedade social tira-lhe o sono?Eu sempre dormi pouco. Cinco horas por noite em média. Quando me levanto faço contas à vida. Temos encargos muito elevados com a banca e sabemos que temos que os honrar. Mas o prazer que nos dá ver crescer esta obra e melhorar as condições das pessoas dá-nos força e motivação. Estas instituições estão muito dependentes dos apoios do poder central e da câmara?Procuramos ter uma boa relação com todas as entidades, mas não andamos a pedir esmolas. Apresentamos projectos viáveis e soluções para os colocar em prática e pedimos apenas que nos apoiem.O Patriarca de uma casa com mil criançasManuel da Piedade Lopes Martins nasceu em Tancos, concelho de Vila Nova da Barquinha, há 57 anos. Saiu da terra para trabalhar na hotelaria em Lisboa quando tinha vinte anos. Foi em Vila Franca que constituiu família. Tem dois filhos. Um engenheiro informático que vive na América e uma educadora que vai dirigir os centros de acolhimento a inaugurar brevemente na ABEI. “Seguiu o meu caminho”, diz com orgulho, o patriarca de uma casa que acolhe mil crianças. Manuel Martins vive para a instituição e sobra-lhe pouco tempo para si e para a família. Gosta de pescar “porque ajuda a descontrair”, tal como tratar dos animais na quinta pedagógica da ABEI. Sempre que pode vai ver uma boa revista com a esposa. A leitura é outro passatempo, mas não dispensa o convívio com os amigos à volta dum petisco. Aparenta ser um homem tímido, mas é um bom conversador. Invariavelmente as questões sociais fazem parte da troca de ideias com quem priva. A última vez que tirou férias foi o ano passado para visitar o filho e netos na América. Manuel gosta de ouvir música clássica enquanto trabalha. No gabinete tem as fotos da família, flores e três bonecos de pele negra. Um cego, um surdo e um mudo. Uma trilogia que mostra que na ABEI todos são iguais nas suas diferenças e dá o mote para a atitude perante os colaboradores. “Todas as conversas ficam no gabinete. Aqui dentro somos todos cegos, surdos e mudos. As conversas ficam entre os intervenientes”, conclui.“Nunca rejeitámos nenhuma criança por ser pobre”É presidente da Associação de Intervenção Social e Comunitária do Concelho de Vila Franca. Tem uma visão clara da força da rede social…As instituições do concelho de Vila Franca de Xira movimentam 25 milhões de euros por ano na sua gestão corrente. Prestam serviço a mais de 12 mil utentes e têm mais de dois mil funcionários. Estamos a falar de um forte contributo para a economia e desenvolvimento da região. Somos dos maiores empregadores e prestamos um serviço social único.São um parceiro imprescindível na vida desta região mas vivem essencialmente do voluntariado?Se todas as instituições acabassem o que seria destas 12 mil famílias? O Estado nem sempre valoriza como devia o trabalho de voluntariado nestas instituições, onde 90 por cento são voluntários que pagam para servir o próximo.Devem ser criados mais incentivos para os voluntários?Há benefícios previstos na lei do voluntariado mas são tão complicados os processos que as pessoas não os utilizam. Os políticos reconhecem sempre o valor dos voluntários mas na prática esquecem-se deles. Se um voluntário tiver um acidente ao serviço de uma instituição não tem sequer um seguro.O Estado tem condições para aliviar mais as famílias das despesas com a educação dos filhos?As mensalidades que se pagam na nossa instituição parecem-me justas. Em alguns casos podia haver alguma ajuda do Estado. Tenho consciência de que também há pais que nos querem enganar e apresentam declarações de rendimentos muito abaixo da realidade. Esses pagam menos e estão a ser injustos. Há crianças que não entram na ABEI por falta de condições financeiras dos pais?Aqui nunca rejeitámos nenhuma criança por ser pobre. Não pedimos dados sobre o rendimento quando se inscrevem. Os casos de carenciados são analisados e decidimos em função do regulamentado.Já suspendeu alguma criança por atrasos no pagamento?Felizmente nunca aconteceu uma única situação. Não seria capaz de afastar uma criança porque os pais não puderam pagar. Já tivemos de fazer ameaças para obrigar os pais a cumprirem, mas sabíamos que não era por falta de dinheiro que não pagavam.É um homem sensível. Lida com situações muito complicadas a nível social. Como é que reage?Não é fácil. Por vezes sofremos porque não sabemos de que forma podemos ajudar. Temos receio de ser mal interpretados. Já me aconteceu ajudar anonimamente sem que o beneficiário se apercebesse que era eu que estava a ajudar.Tem muitos pedidos de emprego?Imensos e dói muito dizer que não. Tenho 10 a 15 pedidos de emprego por dia. Por uma questão de princípio recrutamos pessoas no Rendimento Social de Inserção e no Centro de Emprego. Desta forma ajudamos os mais necessitados. A ABEI recebeu um prémio nacional em 2006 por empregar e integrar cidadãos portadores de deficiência.Foi um prémio que nos orgulhou. Continuamos a empregar pessoas deficientes e não o fazemos por caridade ou compaixão. Fazemos porque sentimos que são excelentes colaboradores e era necessário que estas pessoas tivessem uma ocupação saudável. A funcionária da limpeza é muda e é uma excelente colaboradora.Há centenas de bebés e crianças em lista de espera no concelho de Vila Franca. Sente muita pressão de pais a tentarem uma vaga?Os critérios de entrada estão devidamente regulamentados e são cumpridos religiosamente. Em casos excepcionais, quando são situações sinalizadas pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, ou outras entidades, a criança tem de entrar. Nem que a sala fique com um utente a mais.Já teve várias reclamações de pais?Já tive um senhor que reclamou porque tinha inscrito o filho antes da criança nascer e chamámos outro que se inscreveu depois, mas o outro já tinha nascido e o dele não. Se não havia bebé, não podíamos ficar à espera que nascesse. Há casais que tentam inscrever os filhos quando ainda estão a planear tê-lo. Não podemos aceitar estas inscrições porque só aceitamos bebés a partir dos 3 meses de idade.Os pais participam pouco na vida da instituição?Os pais deviam participar mais, mas eu desculpo sempre os ausentes porque alguns têm uma vida muito preenchida. Temos pais que deixam a criança às 07h00 e vêm buscá-la ao final do dia. Trabalham muito e não têm tempo. Mas todos os sócios devem participar e intervir.Há pouca massa crítica?Eu gostava que houvesse mais. Gosto de ser avaliado e criticado. Até porque a crítica construtiva obriga-nos a mudar para fazer melhor e todos temos a ganhar com isso. Vila Franca é um concelho dormitório?Temos algumas freguesias com zonas dormitório, mas penso que está a ser feito um esforço para cativar as pessoas para participarem na vida comunitária e não virem apenas dormir a casa. Têm sido feitas obras importantes como a aproximação das zonas ribeirinhas, mas é preciso criar estruturas para levar as pessoas para esses espaços e temos de nos preocupar em criar emprego para que as pessoas não tenham de se deslocar para os seus empregos noutros concelhos como Lisboa ou Azambuja. Há excesso de betão nesta zona?Temos que avaliar se o que estamos a construir é o necessário ou se são mais casas que ficam por habitar. Não basta construir casas, temos de criar condições para as pessoas se fixarem. Precisamos de espaços onde as pessoas possam conviver para não terem de ir para os supermercados.Nunca foi abordado para lavagens de dinheiro na ABEI?Nunca. Nesta casa quem dá 100 leva recibo de 100, seja em dinheiro ou em espécie. Tudo ou que nos dão é contabilizado seja livros, fruta, móveis ou dinheiro.Têm muitas ofertas de empresas?Infelizmente não. Ainda não há uma cultura para a responsabilidade social das empresas. São raras as que respondem aos nossos apelos de ajuda.Tem uma quinta pedagógica na ABEI…Temos uma horta com couves, alfaces e muitos animais. Temos perus, galinhas, cães, gatos, cabras, ovelhas, um cavalo e um casal de burros.É o senhor que trata da bicharada?Ao tratar estou entretido e poupa-se dinheiro. A quinta é visitada pelas crianças da instituição que ajudam a plantar e semear e aprendem a brincar.A sensibilidade de Maria da Luz Rosinha e Idália MonizRelaciona-se directamente com duas mulheres de poder. A presidente da câmara Maria da Luz Rosinha e a secretária de Estado da Reabilitação Idália Moniz. As mulheres são mais sensíveis às vossas preocupações?Não sei se é por serem mulheres, mas são duas senhoras com grande sensibilidade e atentas às nossas intenções. Têm ambas uma elevada consciência cívica. A presidente Maria da Luz Rosinha tem dado uma grande atenção à área social e tem incentivado as instituições do concelho. Idália Moniz é uma governante que está perto das pessoas e dos seus problemas.O senhor apoiou a presidente Maria da Luz Rosinha nas últimas eleições. É um apoio com riscos?Gostaria que vissem esse apoio como do cidadão que é amigo da presidente e acredita no seu projecto. Percebo que não me posso libertar do facto de ser o presidente da ABEI. Apoiei a candidatura da Maria da Luz com a convicção de que estava perante um bom projecto e uma mulher com condições para fazer um bom trabalho.Já foi convidado para integrar várias listas…Fui mas não aceitei. Uma pessoa nunca consegue fazer duas coisas bem feitas ao mesmo tempo. Tenho uma missão na ABEI que quero concluir até ter forças para o fazer. Não me vejo num cargo político e a ABEI está acima de tudo.Vai apoiar a presidente Maria da Luz Rosinha?Continuo a achar que está a fazer um bom trabalho e merece continuar se for essa a vontade das pessoas. Maria da Luz Rosinha criou uma dinâmica social mais forte no concelho. Vila Franca é um concelho pioneiro na apresentação de projectos e na maneira como trabalha a sua rede social.
“Ajudamos quem precisa e criamos emprego e riqueza”

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