Ser talhante nos quatro cantos do Ribatejo
João Alfredo Dias aprendeu aos 11 anos a cortar carne e nunca mais deixou a profissão
De Azambuja ao Entroncamento, com paragens em Moçambique e Vialonga, o percurso de um talhante que trabalha há mais de meio século na sua área.
“Aprendi a matar um boi aos 11 anos”, conta João Alfredo Dias. O talhante, que entrou pela primeira vez num matadouro a convite daqueles que seriam os seus futuros mestres, garante que “nunca pensou em seguir outra profissão”. O profissional brinca até que “não sabe fazer outra coisa se não ser talhante”. O ribatejano, de 61 anos, tem há cerca de dois um estabelecimento por conta própria, depois de trabalhar várias décadas como empregado ou em sociedade. “Sinto-me bem e posso fazer as coisas à minha maneira”, refere a O MIRANTE. No “Talho do João”, que hoje dirige, João Dias recebe grande parte dos clientes que atende há cerca de trinta anos na freguesia de Vialonga (Vila Franca de Xira), onde trabalha desde jovem. Iniciado como aprendiz de cortador por um mestre com cerca de 11 anos, João Dias esteve três anos num talho da Azambuja. Um desentendimento com um colega mais velho levou-o a sair três anos mais tarde. Um conhecido que tinha um talho em Vila Franca de Xira serviu-lhe de referência. À falta de um emprego para oferecer, indicou-lhe o nome de Manuel Certal, talhante em Vialonga. A empatia com o proprietário do talho e os valores do novo salário, na ordem dos 400 escudos em 1961, garantiram-lhe o lugar e, aos 14 anos, um trabalho seguro que duraria cerca três anos. A estabilidade em Vialonga terminaria sem aviso. Um dia, a mãe de João Dias surge no seu local de trabalho e exige que o então rapaz volte a trabalhar perto de casa. “Vim a chorar para casa, mas os pais nessa altura tinham uma autoridade que não se podia contestar”, relata. A solução foi trabalhar para um indivíduo por quem João nutria pouca simpatia. O jovem foi, mas lançou o aviso à família: “à primeira oportunidade, saio dali!”Um talhante no Entroncamento necessitava de um empregado jovem mas com experiência, disse-lhe uma pessoa conhecida. Na volta do correio, recebeu o convite que ambicionava. Perto da idade adulta, o talhante tornou-se independente, vivendo no Entroncamento e dormindo num quarto ao lado do restaurante onde comia diariamente. “A profissão de talhante era muito valorizada nessa altura e dava para estas coisas. Fui ganhar mais de dois contos por mês”, relata. O serviço militar obrigou-o a deixar o emprego em 1968. Nesse ano, João Dias casou com a sua actual esposa e adoptou a aldeia de Vale do Paraíso (Azambuja) como morada. Partiu a 14 de Setembro para Moçambique, três dias depois de casar, e deixando a jovem esposa grávida de cinco meses. Em Moçambique, o trabalho de cortador manteve-o afastado das armas mas não de ver os “negócios” que altas patentes militares faziam ao desviar lucros da venda de carne às populações. “Dava vontade de lhes bater”, conta. De regresso a Portugal, foi no talho de Azambuja, onde trabalhara dois anos, que voltou ao ofício. Manuel Certal, antigo patrão em Vialonga, fizera a promessa de lhe oferecer um lugar no seu talho quando o tivesse disponível. E, pouco tempo depois, era em Vialonga que se estabelecia. Primeiro como empregado, em 1971, depois noutro talho como sócio, mas por pouco tempo. De saída e à procura de emprego, chegou a ir fazer testes para uma grande superfície comercial. “Quando me puseram folhas à frente para fazer contas sobre os preços da carne, perguntei a quem coordenava a selecção se não tinham um animal para desmanchar, para provar o que sabia. Como me disseram que não, fui-me embora. Aquilo não era para mim”, conta João DiasA partir de 1978, João Dias trabalhou noutro estabelecimento, como sócio de um talho onde laborou 28 anos “Depois, achei que as coisas não estavam a correr como deviam, pedi a minha quota e aluguei este espaço”. A experiência de João Dias não lhe dá, no entanto, a vontade de arranjar um aprendiz. “Os jovens agora, têm muito conhecimento teórico, mas falta-lhes saber como se corta da maneira que as pessoas gostam”, refere. No “Talho do João”, as carnes de porco e vaca nacionais são o que mais vende. E no caso das primeiras é de um matadouro em Vialonga que são provenientes. O talhante, que se diz apreciador de enchidos alentejanos, segue no entanto uma regra alimentar que aconselha: “ao almoço carne, com peixe para o jantar”.
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